Memórias do Surf Jagoz: Vítor ‘Vitinha’

 

Fotografia: DR

 

Impressão digital

Vitor Manuel Tomás Pereira Tavares, mais conhecido como ‘Vitinha’

Nascido a 11 de Março de 1970 na Ericeira

Treinador de desporto (Surfing) no Lapoint Surf Camps

1986 – em Ribeira d’Ilhas com outros locais.

Quando é que começaste a surfar?

Comecei a surfar no princípio dos anos 80 na Ericeira, onde nasci e vivo. Esta é também a terra dos meus pais e avós, posso dizer que sou um Jagoz puro.

 

Quantas pessoas surfavam pela Ericeira quando começaste a apanhar ondas aqui?

Quando comecei a surfar não havia quase ninguém na água, podiam-se contar pelos dedos de uma só mão, os que haviam eram um pequeno grupo da Ericeira: o Álvaro (‘Cigano’), o Pedro (Fozzy), o Zé Carlos do restaurante a Toca do Caboz e o Passos, que era meu vizinho. Para ver alguém a surfar nessa altura era difícil, tinha que ir a pé até Ribeira d’Ilhas ou até aos Coxos e por sorte lá estavam dois ou três surfistas na água.

a essência do surf do antigamente desapareceu, mas ainda há algumas excepções

Em que picos ou praias costumavam surfar mais?

As praias em que surfávamos mais eram as praias mais próximas de casa porque nesses tempos dourados não havia transportes. Como a minha casa fica a uns 300 metros da praia do Algodio (agora mais conhecida como Praia do Norte), era esta a praia em que surfava mais, podia vestir o fato em casa e em 5 a 10 minutos estava na água. A Praia do Norte tem condições boas para quem conhece, é uma praia com esquerdas e direitas boas e com força.

 

Que memórias guardas desses tempos dourados?

Guardo muitas memórias boas desses tempos dourados, sim. Tudo começou com um grupo de amigos da Ericeira: o João (‘Pichas’), o Hélder (‘Bogas’), o Paulo (‘Bogalho’), o Rui (‘Aníbal’) e o mais novo era o Joaquim (‘Pipio’); logo a seguir vem a geração do meu irmão Pedro (‘Kikas’) e a do Tiago (‘Saca’). Os nossos dias nessa altura eram passados na água: acordava cedo, tomava o pequeno-almoço, pegava no material e ia logo para a praia. Em certos dias, bem cedo, olhava para a Moita e estava perfeito – 1,5 metros a 2 metros offshore – e ninguém na água, pegava nas coisas, ia a correr para dentro de água, ondas lindas sozinho dentro de água, depois lá aparecia um amigo ou outro. Em certos dias o mar começava a subir e tínhamos que sair e ir a pé até Ribeira d’Ilhas porque lá aguentava mais mar – estávamos lá o dia todo a apanhar altas ondas – 2 metros a 2,5 metros, um offshore lindo -, depois lá vínhamos a pé até à Ericeira. Chegávamos no final do dia, espreitávamos a Moita outra vez e estava a bombar, lá íamos outra vez para a água com um pôr-do-sol lindo e umas ondas lindas e era este o nosso espírito do surf na altura. Bons tempos em que na minha casa ficavam amigos de Mafra e de Lisboa a passar uns dias só para irmos surfar. No meu quintal a arranjar as pranchas e a fazer wax. No dia da Espiga íamos acampar à noite para Ribeira d’Ilhas para podermos no outro dia surfar o dia todo.

 

Quais foram as maiores mudanças desde que começaste a surfar?

As maiores mudanças no surf desde essa altura até agora foram muitas, começando pela evolução das pranchas, dos fatos e do material técnico. O transporte, sim, porque agora a maioria do pessoal que faz surf tem carro ou algum amigo que tem, ou mesmos os próprios pais que fazem questão em levá-los, assim podem ir a muitos mais picos do que se tivessem que ir a pé. Também as novas tecnologias, internet e telemóvel. Com a internet temos tudo acerca do surf, desde os exercícios técnicos específicos para o surf aos campeonatos, os documentários, os filmes, os forecasts, etc…

 

Continuas a surfar? Com que regularidade? Procuras fugir do crowd?

Sim, continuo a surfar, mas não com regularidade. Apesar de não surfar com frequência, passo os meus dias na água. Como tenho a sorte de ter um emprego que me permite ir à água, não me posso queixar como surfista. Em relação ao crowd, sim, tento fugir dele e vou para aqueles picos que têm menos gente, os secrets Just for Locals.

A essência do surf na Ericeira também mudou?

Sim, agora a essência do surf é outra. Existe um gigantesco negócio à volta do surf, perdeu-se o valor humano e só se vê dinheiro, as pessoas passam simplesmente a ser números, portanto a verdadeira essência do surf do antigamente desapareceu, mas não devemos esquecer que há algumas excepções; poucos mas bons.

 

O que mudou após a consagração da Reserva Mundial de Surf, em 2011?

Aspectos positivos: ficámos mais conhecidos a nível Mundial pelas boas ondas durante todo o ano e, como resultado, a vila da Ericeira ficou cheia de surfistas, o que é bom para a hotelaria; muitos negócios abriram com ligação ao surf, o que dá emprego a muita gente da vila e dos arredores.

Aspectos negativos: temos o crowd na água a aumentar, como é normal e tem lógica – estamos a crescer e o mar não; pelo contrário, na época balear o espaço para o surf fica mais curto por causa das zonas de banho e, como resultado, estamos a ficar sem espaço para todos. Para perceberem do que estou a falar, basta ir à Praia dos Pescadores na Ericeira quando o mar está bem grande – é um autêntico caos na água, sem regras e sem respeito uns pelos os outros, uma autêntica selva… a continuar assim, qualquer dia acontece alguma tragédia.

Bem, e é isto, têm que arranjar novas regras e espaço para tanta gente que continua a visitar a Ericeira para o surf; arranjem uma piscina gigante de ondas indoor que bomba-se 24 horas por dia. Assim, em vez de irem ao Ouriço, iam fazer umas ondas e já havia mais espaço na água e no Ouriço. Fica a dica. Boas ondas!