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Erguendo-se levemente, quase cambaleando, sobre o vale da língua portuguesa, o vocábulo esternocleidomastoideu deriva do cultismo grego. Etimologicamente podemos dissecar a sua anatomia em três componentes; o primeiro, sternon, cujo significado é peito; Kleidos ou κλείδα, que graças ao milagre ocioso do Google vim a descobrir que significava clavícula e mastóide, que é como quem diz aquilo que possui uma forma mamária.
O esternocleidomastoideu pode ser um músculo grosso localizado na face lateral do pescoço – precisamente no lugar onde deslizo a palma da minha mão de cada vez que os meus pais ralham comigo –, que assume o papel de flexor, inclinador e rotador da cabeça. Pode ser usado para caracterizar alguém com uma voz segura e timbrada, ou até mesmo a última questão do exame oral de medicina num certo filme a preto e a branco. Porém, esta palavra é muito mais do que tudo isto. É, sem dúvida nenhuma, um estilo de vida.
a última questão do exame oral de medicina num certo filme a preto e a branco
Pelo menos o era no infantário. Nesse prodigioso espaço de tempo no qual as cores das batas definiam o nosso grupo de amigos e este meu palavrão amigo não só era mal pronunciado, mas se estabelecia como a palavra suprassumo da galáxia e não a sétima maior da língua portuguesa, como vim hoje a descobrir, numa lista encabeçada por alguém cujas narinas foram trespassadas por cinzas emanadas de uma erupção vulcânica, o pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiotico. Nessa era de Pokemons, Yu-gi-ohse euros gastosempastilhaselásticas, quemconseguisseproferir esta infindável unidade linguística era designado rei dos gaiatos, imperador da creche. Ou pelo menos tinha essa noção, perdoem-me as imprecisões, mas, como diz o provérbio, ao mentiroso convém-lhe ter boa memória.
Ainda hoje me lembro do jeito pomposo e opulente de como aquela elite, cujas capacidades silábicas superavam as da média (e as minhas, mas isso não é de extrema relevância…), soletrava este músculo de enervação motora e sensorial, seguido de um vigoroso e cândido aplauso pelas auxiliares de educação de fazer ferver a inveja nos olhos do Vasco Santana. Magoa-me um pouco quando faço esse movimento cerebral e desgastante que é recordar a minha infância, especialmente quando aterro nas memórias consumidas pelas “tampas” e pelos múltiplos olhares de desprezo conduzidos por aquelas raparigas de cinco anos aquando da minha tentativa de iniciar um processo de comunicação interpessoal. O problema não era a minha conduta, tão pouco as minhas “frases de engate” (graças a este trabalho, percebi que um engate é um aparelho com que se atrelam animais a viaturas), mas sim o facto excruciante de eu não conseguir declamar o esternocleidomastoideu. Pior, cada vez que o tentava fazer, parecia cuspir um cacto.
É, sem dúvida nenhuma, um estilo de vida.
A dor que se desprende deste músculo não só é qualificada como miofascial, afetando a zona do ombro e da nuca, como também uma dor social, uma dor que contagia as reminiscências da meninice.
Não tenho medo de nada! Aranhas, tubarões, palhaços (talvez tenha um pouco…), mas não consigo lidar com esta palavra, o meu coração começa imediatamente a palpitar a cem à hora, as minhas mãos transformam-se num rio de suor e os meus lábios são constantemente acutilados pelo cerrar dos meus dentes. Porém, ouvi alguém dizer um dia que o primeiro passo para combater uma fobia é aceitá-la. Parece-me um conselho parvo.