Fotografia: Gonçalo Forjaz Trigueiros
Após termos publicado entrevistas com os representantes da Câmara Municipal de Mafra, da Associação dos Amigos da Baía dos Coxos e da S.O.S. – Salvem o Surf, fomos escutar as perspectivas de Miguel Barata de Almeida sobre o “estado da arte” no que toca à Reserva Mundial de Surf da Ericeira. Com estas palavras do Presidente do Ericeira Surf Clube fechamos a ronda das quatro instituições Guardiãs, através da qual a AZUL pretendeu ajudar a traçar um diagnóstico democrático sobre este importante património local, nacional, europeu e mundial.
Qual é o balanço que o Ericeira Surf Clube faz da Reserva Mundial de Surf, já a caminho do 10º ano após a respectiva consagração, em 2011?
Considerando que a Consagração das Reservas Mundiais de Surf promovidas pela Save The Waves Coalition é de habitualmente uma por ano, sendo principal objectivo proteger as ondas e a sua área envolvente, só nos deveríamos sentir uns privilegiados e orgulhosos por estas 7 Ondas, ao longo de cerca de 4 km de costa, serem de reconhecida qualidade mundial e de as podermos diariamente desfrutar e contemplar. Só este facto por si só exige uma enorme responsabilidade de todos nós. Este reconhecimento, à escala global, com o número de praticantes de desportos de ondas a aumentarem vertiginosamente, ou o fácil acesso rodoviário à Ericeira, está a exigir que se tomem algumas medidas mais ajustadas para aliviar a pressão a que diariamente toda esta área está a ser sujeita, procurando também que a população local se identifique e se comprometa cada vez mais com esta área, contribuindo para a sua preservação e valorização.
Entre as funções desempenhadas pela vossa instituição no âmbito da Reserva, quais destacam?
A par da Câmara Municipal de Mafra (CMM), Associação dos Amigos da Baía dos Coxos (AABC) e da SOS Salvem o Surf (SOS), o Ericeira Surf Clube (ESC) é um dos Guardiões da RMS e membro efectivo do Conselho Restrito e do Conselho Alargado do Conselho Municipal da Reserva Mundial de Surf da Ericeira (CMRMSE). Se no início nos sentíamos completamente fascinados pela atribuição do Galardão, com o passar dos anos tivemos de reconhecer que nem tudo ia bem e que teríamos todos de contribuir ainda mais para enfrentar os problemas que se mantinham e outros que começaram a surgir. Para que pudéssemos contribuir de uma forma mais efectiva, tivemos de introduzir na Direcção elementos com formação académica na área, devidamente capacitados para apresentarmos propostas fundamentadas para que o futuro da Reserva fosse devidamente sustentado e valorizado por todos. Inicialmente, com as outras Associações, ao longo dos anos fomos alertando para os entulhos que recorrentemente eram despejados em algumas áreas, ao campismo e caravanismo ilegal, aos problemas de infra-estruturas de saneamento básico ou aos estacionamentos ilegais e lotados, ao exagero dos licenciamentos de Alojamentos Locais e Escolas de Surf e de alugueres de equipamentos. Nos últimos anos participámos no Plano de Gestão, contribuímos também com conteúdos para o Centro de Interpretação, de Livros Infantis direccionados, ou no projecto para o Parque Ecológico da Empa. Participámos também activamente em conferências, debates e exposições.
Como tem sido a colaboração entre as várias entidades que integram o Conselho Municipal de Gestão?
Nem sempre tem sido fácil mantermos um contacto próximo, mas vamos reunindo ou trocando ideias com frequência, procurando acompanhar, monitorizar e avaliar as medidas que vêm sendo implementadas e aprovadas no Plano de Gestão. É obrigação de todos contribuirmos pelos melhores interesses das nossas praias e das suas envolventes.
é um desafio diário estarmos à altura da nossa Ericeira
Quais têm sido os factos mais positivos da Reserva desde 2011?
O principal é sempre o enorme prestígio que representa estar entre os melhores locais do mundo para a prática do Surfing. Nem todas as regiões se podem orgulhar de ter em tão curto espaço de território a quantidade, variedade e qualidade de ondas da nossa costa. A Ericeira nunca foi tão falada, comentada e distinguida por todo o mundo como agora. É um desafio diário estarmos à altura da nossa Ericeira, sendo um desígnio protegê-la e valorizá-la com sustentabilidade para as gerações futuras. Provavelmente em consequência da Consagração da WSR, foram criados novos negócios, gerando mais emprego, promovendo uma melhoria na qualidade de vida da população local, um aumento populacional e de visitantes. Ficámos todos fascinados com os números que se foram apresentando ano após ano. No entanto, neste momento em algumas actividades ficaram preocupantes. Um dos desafios futuros será dosear e equilibrar o tecido económico e social para que os padrões de qualidade de vida da população não se alterem negativamente.
Existem alguns pontos negativos?
Se em relação à qualidade das ondas não se identificam actualmente verdadeiras ameaças à sua qualidade, consideramos haver alguns pontos na área envolvente que não conseguimos ainda corrigir e ultrapassar. O primeiro é logo não estarem ainda totalmente implementados os meios legais que definem qual a área que está definida como Reserva para que todos sintam essa responsabilidade e pressão; de seguida, não termos conseguido ainda comunicar com eficácia junto da maioria da população local, e de quem nos procura, que aquela área é uma Reserva Mundial de Surf, que deverá promover o bem-estar, ser um instrumento de coesão social e não de massificação e exploração económica sem limites.
O que falta para a Reserva cumprir eficazmente o ideal que esteve subjacente à sua criação?
Sendo uma Reserva, em que o principal objectivo será promover a sua protecção e sustentabilidade, tem havido alguma dificuldade em comunicar a importância e prestigio para todos nós desta área. É muito importante que conseguíssemos ter uma maior persuasão, e meios legais, para que se mitigassem os efeitos do caravanismo, campismo selvagem ou de passeios motorizados fora dos arruamentos e caminhos; que aqueles que por cá se radicam respeitassem os costumes e a cultura locais e que também não construíssem as suas luxuosas habitações em zonas privilegiadas, nem desenvolvessem áreas de negócio semelhantes às já existentes. A partir daqui penso que poderemos ir cumprindo com maior assertividade parte dos desafios que nos foram propostos.
A Ericeira é o Centro do Surfing Europeu em toda a sua dimensão
Já foi aprovado o plano de gestão para a Reserva Mundial de Surf da Ericeira, relativamente ao biénio 2020-2021?
O Plano de Gestão abrange o ano de 2020. Está previsto reunirmos nas próximas semanas para discussão do Plano de Gestão para o próximo biénio.
Gostariam de acrescentar alguma coisa?
A Ericeira é provavelmente a vila que se assume cada vez mais como o Centro do Surfing Europeu em toda a sua dimensão. Tem as melhores ondas, os melhores eventos não só de surfing como sociais, a maioria das grandes marcas e muitos surfistas nacionais e estrangeiros radicaram-se por cá, pelo que o trabalho pela WSR da Ericeira deverá ser continuo e de enorme dedicação.