Texto: Joana Martins | Fotografia: DR
Recordo-me que em Abril houve várias manifestações de apreço aos enfermeiros e pessoal médico, várias pessoas a aplaudi-los das varandas, tentando mostrar que estavam conscientes do trabalho que, sem escolha nem horário, estavam a fazer. Também aplaudi, pois com certeza! Merecem todo o nosso respeito e consideração por estarem na primeira linha de embate. Note-se que eles estão nessa mesma linha muitas vezes, tantas vezes, mas desta vez tinham de receber o desconhecido e acolhê-lo sem saber muito bem o que lhe fazer. Muitos deles agradecem estas mostras de carinho público, mas trocariam de bom grado essas manifestações por responsabilidade cívica – e cada um saberá o que isto é. Só me sobra compreender.
Dita e sublinhada esta consideração, gostava de chamar aos aplausos os trabalhadores dos mini/super/hipermercados, sobretudo os que estão nas caixas (falo destes porque são aqueles com quem mais me cruzo, fruto dos tempos que vivemos, mas aqui estão também os motoristas dos transportes públicos, os trabalhadores do lixo e qualquer profissional cuja função implica atendimento ao público).
desinfecta, passa, desinfecta, limpa, desinfecta, desinfecta
Estão estes profissionais a levar também com todo o tipo de embates, desde sempre no geral e desde Março em particular. Quando pouco se sabia sobre o que estava por vir, quando muitos de nós ficaram em casa, eles continuaram a dar o corpo ao manifesto. Seja em estado de emergência ou de calamidade, ou sem estado de espírito, ali estão eles a servir de parede de pneu para toda e qualquer personalidade e ocasião: educados, ou não, civilizados, ou não, cumpridores das medidas de segurança, ou não. A uma já tão desafiadora tarefa que é lidar com gente horas a fio – é que essa gente, que somos nós, às vezes está mal disposta, às vezes é mal educada, às vezes está com pressa, enfim, tem muitas idiossincrasias, esta gente – juntam-se umas medidas higiénicas preventivas que se traduzem em funções e gestos que se executam com todo o tipo de gente, sem escolha.
Dá-se, então, início a uma linha de montagem esquematizada que se repete até à exaustão do turno. Desinfecta o tapete, passa as compras, faz pagamento, desinfecta tapete, desinfecta mãos, desinfecta terminais de pagamento, desinfecta tabuleiro, desinfecta… repete, passa compras, desinfecta, desinfecta, passa compras, repete, desinfecta, desinfecta. As filas crescem, aquela gente que conhecemos começa a barafustar e eles continuam a desinfectar. As indicações são de que o fazem para se protegerem a eles próprios e para nos protegerem a nós, a gente.
Merecem ser louvados. Porque neste momento, em que o leitor tem a generosidade de me dar uns breves instantes, eles continuam: desinfecta, passa, desinfecta, limpa, desinfecta, desinfecta.
Deixo-lhes o meu reconhecimento. Talvez o possam fazer também.