Texto: Ricardo Miguel Vieira | Fotografia: DR
A perfeição da simplicidade.
Gonçalo Pimenta vive num paradoxo. Como designer e bodyboarder estabelecido na Ericeira, trabalha debaixo de um manto de liberdade que se reflecte na imagem e espírito das roupas que saem dos seus dedos e dão vida à Liquid Choice. Contudo, há momentos em que se sente emperrado pelo seu perfeccionismo teimoso e pelo impulso controlador sobre todos os passos que desaguam nas vestimentas – a costura, os moldes, os desenhos, a serigrafia. “Não se trata de perder a essência do projecto, mas eu tenho de controlar tudo, entendes? Queria que saísse tudo daqui”, assevera, num tom que desvenda que ainda tem muitos objectivos a cumprir com a marca. “Eu gosto mesmo de fazer roupas, tenho mesmo pica para isto.”
O “Xixa”, como é conhecido entre as gentes da Ericeira, completou 31 anos na semana passada. Pouco os aparenta pelo seu rosto surfer, sardento, com distintos olhos verdes e barba rala e ruiva. Natural da Ericeira, só abandonou a vila entre 2003 e 2006, quando foi viver para Lisboa, enquanto estudante de Design de Equipamentos na Faculdade de Belas Artes. Por lá iniciou a actividade profissional como estagiário num atelier de design, até se desencantar com os métodos de trabalho. “Às tantas já não estava a curtir, já estava a atrofiar de estar lá todos os dias sentado no escritório”, recorda sem remorsos. Avançou, então, para um negócio independente, impelido até pela indústria do desporto que pratica. “Toda a gente queria fazer uma marca de bodyboard”, diz. Mandou imprimir as primeiras t-shirts da Liquid Choice em 2006 e em 2007 investiu no primeiro equipamento para serigrafar roupa. “Primeiro um carrossel [para serigrafar], uma prensa de bonés, outra para roupa, os quadros [para gravar os desenhos a serigrafar], tudo”, enumerou. Já só dependia de si próprio para avançar com o projecto. “Aprender sozinho a serigrafar foi um belo dum filme.”
Dá-me imenso gozo, estar ali a costurar, a cortar a malha, a ver as coisas acontecer, isso é o que me motiva a fazer as roupas da Liquid Choice.
O dia-da-dia profissional de “Xixa” confina-se à cave da moradia dos pais, virada a sul e com vista para o mar que se divide entre a Praia do Sul e a Foz do Lizandro. O espaço, de 7 por 15 metros, transformou-se numa pequena fábrica de confecção de roupa – a Liquid Choice insere-se na Printee, empresa responsável pela impressão de roupas para diversas marcas e surfcamps da Ericeira. No salão principal estão cinco máquinas de costura, acabadas de comprar, uma mesa de gravação de quadros e várias mesas e prateleiras preenchidas de tintas e papéis vinil. Os cheiros a tinta e tecidos misturam-se, não deixando dúvidas quanto ao lugar em que nos encontramos. Contíguos à divisão principal, estão dois pequenos quartos: um com o carrossel de serigrafia e outro que será o escritório e zona de impressões de autocolantes e desenhos.
Nas estantes do escritório misturam-se moldes de costura e livros de desenhos. Muitas das ideias para a Liquid Choice provêm da internet e de colectâneas como “Russian Criminal Tattoo ou “Broken Fingers” e de artistas como Mike Giant e Jon Contino. “Gosto de coisas desenhadas à mão, a preto e branco, a uma cor, simples”, define-se, acrescentando que o entusiasmam os pontilhados e os traços vintage e desestruturados. Porém, nada disto apaga a impressão digital que a Ericeira deixa no seu trabalho. “A Ericeira é tudo para mim. Tive de arranjar uma forma de permanecer aqui, nao consegui fugir, por causa do mar”, confessa, relembrando que, por vezes, pensou em seguir para Lisboa ou até mesmo para outras fronteiras. “A Ericeira de certeza que influencia a minha disposição e forma como vou trabalhar. Sabe tão bem estar aqui.”
O apego ao bodyboard é mais forte que “Xixa”. A própria génese da Liquid Choice vem do desejo de fazer parte de uma indústria que, na altura, estava em desenvolvimento. “Pretendia fazer uma cena mais relacionada com o bodyboard, sem nunca me comprometer. Queria ajudar o nosso desporto, estar presente nas bodyboardshops”, explica, para logo a seguir desconstriuir o conceito de surfshops, revelando a independência que almeja para o projecto. “Eu acho que o futuro passa por haver mais lojas de marca própria. Se eu fosse abrir uma loja, seria uma espécie de museu, em que se trata a roupa de outra forma, com outra atenção. Expunha assim…”, diz, apontando para um rack com roupas dispostas de modo organizado e visível.
Na verdade, Gonçalo Pimenta tem em vista abrir uma loja no centro da vila e expor as roupas que, finalmente, poderá confeccionar da primeira à última linha. Por enquanto, prefere aprender a manejar as novas máquinas de costura e disfrutar de todo o processo, sempre com um olhar atento e extremamente crítico. “Quando estou a pensar em fazer peças novas, eu já não estou a pensar nelas com impressões, mas sim nos pormenores e acabamentos”, desvenda, esfregando os dedos das mãos, como se apalpasse um tecido. “Dá-me imenso gozo, estar ali a costurar, a cortar a malha, a ver as coisas acontecer, isso é o que me motiva a fazer as roupas da Liquid Choice.”
Liquid Choice
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