Texto: Hugo Rocha Pereira | Fotografia: AZUL
Entrevistámos Carlos Abade, Vogal do Conselho Directivo do Turismo de Portugal, à margem da Conferência “Da Terra ao Mar: que Oportunidades?”, realizada Quarta-feira no âmbito do Business Bootcamp. Aproveitámos, desde logo, a oportunidade para explorar os actuais pilares orientadores da acção desta entidade pública responsável pela promoção, valorização e sustentabilidade da actividade turística no nosso país. E não deixámos de colocar questões sobre assuntos mais concretos, como a situação da quinta onde viveu Paula Rego ou a extinção das Juntas de Turismo.
Actualmente quais são as principais linhas orientadoras do Turismo de Portugal?
As actuais estratégias do Turismo de Portugal resultam do 2027, a estratégia para a próxima década, produto dum processo muito participativo por parte dos stakeholders nacionais e internacionais, que detectaram um conjunto de desafios para o futuro e que nos vão guiar durante os próximos dez anos. O conjunto de preocupações que nos move passa por vários pilares: valorização das pessoas (por um lado, os portugueses são um activo importantíssimo para a autenticidade do destino; por outra via é necessário conhecer as motivações do turista, os mercados e a procura) e profissionais de turismo; a redução da sazonalidade (que prejudica a paz social e a empregabilidade) com produtos e experiências que possam ser desenvolvidos nas épocas baixas para atrair turistas ao longo de todo o ano e em todo o território; a questão da sustentabilidade (o turismo deve ser cada vez mais sustentável, sendo necessário que as empresas invistam mais em eficiência energética e tenham mais preocupações do ponto de vista ambiental) para valorizar os nossos recursos; o crescimento em valor (no 2027 existe uma previsão de crescimento anual dos actuais 53 milhões de dormidas para 80 milhões de dormidas, mas pretendemos duplicar o valor das receitas turísticas, passando-as de 12,7 mil milhões de euros para 26 mil milhões de euros); utilizar o sector do turismo para o reforço da coesão territorial porque entendemos que pode criar condições para que nos territórios do interior se possam desenvolver negócios, criar riqueza e postos de trabalho, ajudando assim à captação de pessoas, especialmente jovens, para aproveitar os imensos recursos aí existentes. No final do dia o que pretendemos é muito simples: criar riqueza, valor, postos de trabalho e com isso melhorar a qualidade de vida dos portugueses.
A Ericeira tem muito turismo de surf, sol e praia, que poderia ser melhor complementado com a vertente cultural: sabia que Paula Rego residiu vários anos na Ericeira?
Por acaso, sabia [risos].
Nada na toponímia local o indica e a quinta onde viveu foi loteada e urbanizada; a residência, entretanto tapada pelo Continente, é actualmente um hostel sem referências à artista – não será um erro ignorar esta oportunidade?
De facto, é isso mesmo que tem que ser feito: conseguir encontrar oportunidades naquilo que são os recursos e activos desta região – e a Ericeira tem recursos bastante interessantes, que devem ser cruzados com outros recursos da região que não estejam na Ericeira ou mesmo em Mafra –, até porque os turistas não estão manietados por fronteiras. Aliás, há pouco [na conferência “Da Terra ao Mar: que Oportunidades?”] referi que o Turismo é uma indústria de paz, onde não devem existir fronteiras, e os concelhos não devem impor fronteiras. O que tem de existir é a criação de oportunidades, quer no Mar (o surf e outras actividades de animação turística) quer em Terra, para aproveitar recursos existentes de forma a complementar a experiência do turista.
É importante a identificação e valorização dessas oportunidades.
Não seria uma excelente oportunidade para a região se esta antiga quinta albergasse um espaço dedicado à vida e obra da pintora?
É sobretudo importante aproveitar este tipo de activos para que à volta deles se possa criar uma experiência e que essa experiência possa ser vendida aos turistas e estes a procurem. O que deverá acontecer com este recurso é estruturá-lo, criar uma história, uma experiência que o turista compreenda (quem é Paula Rego, onde viveu, qual é a sua obra, o que ela fez cá na Ericeira) e procure. Nomeadamente, perceber qual foi a influência da Ericeira nas várias fases da obra de Paula Rego. Cabe, também, à iniciativa privada procurar este tipo de oportunidades e a partir delas construir uma história e uma experiência que seja um produto turístico estruturado. É claramente importante a identificação e valorização dessas oportunidades.
As Entidades Regionais de Turismo têm uma proximidade muito grande com o território
Com a extinção das Juntas de Turismo, as Entidades Regionais de Turismo passaram a ter competências e responsabilidades que antes cabiam a estas entidades – pensa que têm desempenhado o seu papel com a eficácia desejável ou seria bom retomar-se uma maior proximidade com as dinâmicas e características de cada zona turística, como a Ericeira?
As Entidades Regionais de Turismo (ERT) têm uma proximidade muito grande com o território. O Turismo de Portugal trabalha muito de perto com a ERT (na estruturação do produto, na sua divulgação, na ponte com as empresas), é um trabalho quase diário de articulação com as ERT que, por sua vez, articulam constantemente com o território. O facto de existirem territórios grandes onde há uma só ERT não constitui nenhum obstáculo porque a ERT anda diariamente pelo território. Por exemplo, a Região Centro tem cem municípios e o facto de existir uma só ERT neste território não é problemático. E isto aplica-se também ao Norte do país, ao Alentejo, ao Algarve ou a Lisboa. A experiência que temos tido é duma grande proximidade no trabalho que tem sido feito pelas ERT com as empresas e com as entidades públicas no sentido de estruturar o produto e fazer a respectiva promoção. Esta mudança permitiu criar mais escala e envolver mais massa crítica. Penso ter sido uma aposta ganha, o que não significa que esteja tudo resolvido, nomeadamente ao nível da simplificação, do trabalho em rede e das parcerias, o que é absolutamente imprescindível e crítico.