Texto: Hugo Rocha Pereira | Fotografias: DR
O Natal é, por definição, uma época em que temos o coração mais aberto à partilha. E, por isso, as iniciativas de carácter solidário têm um destaque (que não uma importância) adicional ao longo da presente quadra. Pedro Miguel Maria Guedes está há seis meses em Moçambique com a sua namorada, Joana Conceição. São ambos Instrutores do Desenvolvimento e trabalham como voluntários no projecto Ajuda de Povo para Povo, que pretende ajudar a suprir diversas carências duma comunidade da região de Sofala. Falámos com Pedro para conhecermos este projecto e, além de ficarmos a saber como contribuir para o objectivo a que se propuseram, tomámos o pulso à situação vivida actualmente em Moçambique e às saudades que este jagoz sente da Ericeira.
Como é que te envolveste com este projecto e desde quando estás em Moçambique?
Envolvi-me neste projecto a partir da Organização Não Governamental (ONG) Humana People to People. Cheguei a Moçambique no dia 4 de Outubro e estou inserido numa escola vocacional na pequena comunidade de Lamego, região de Sofala.
A tua história com o voluntariado já vem de trás…
Quando vim de Angola, após ter estado a trabalhar na TV Zimbo como operador de câmara, fiquei com o bichinho de voltar a África e experimentar o voluntariado. Em 2011, com a minha namorada Joana, descobrimos na internet uma ONG que forma voluntários, numa escola do Reino Unido, com cursos de instrutores do desenvolvimento. Escolhemos o programa de 24 meses, que incluiu um período de estudos e angariação de fundos antes de irmos para a Guiné-Bissau, num projecto de seis meses.
Fala-nos um pouco do projecto Ajuda de Povo para Povo.
Quando escolhemos o projecto não sabemos bem o que nos espera. Só quando chegamos ao local é que temos a noção do que podemos fazer. No nosso caso, chegámos a este colégio e propuseram-nos dar aulas de inglês, mas pensámos: “Epá, estar em África e dar aulas de inglês, quando existem pessoas a precisar de ajuda…” Não concordámos, e preferimos trabalhar nos pontos fracos que observámos no colégio. Entretanto, conhecemos um casal que tem um Centro Comunitário e do qual fazem parte um Clube de Mulheres e um suposto orfanato. Acontece que em 2011 a Primeira-Dama de Moçambique visitou este Centro, que na altura acolhia 30 crianças, e a seu ver não existiam condições mínimas para tantas crianças. Por esse motivo, desde então essas crianças vivem na rua ou com os pais, mas sem condições e subnutridas. Neste momento o Centro acolhe somente seis crianças. Já o Clube de Mulheres, que teve ajuda do Governo para comprar o material (máquinas de produção de compotas e sumos naturais), não tem dinheiro para comprar a matéria-prima: fruta, açúcar, sal, óleo e lenha. A Escolinha tem um edifício construído e um quadro, mas sem carteiras para as crianças nem qualquer tipo de material e apoio escolar. Ao depararmo-nos com este problema decidimos arregaçar as mangas e pôr mãos a obra.
Criámos uma página no Facebook para angariar fundos. O objetivo é atingir a meta dos mil euros.
Quais são os vossos objectivos? Já estão perto de os alcançar?
Criámos uma página no Facebook para angariar fundos através de amigos e familiares. O objetivo é atingir a meta dos mil euros, que nos permitirão reactivar a produção do clube de mulheres, mobiliar e pintar o quarto das crianças para terem as devidas condições e o orfanato poder ter novamente mais crianças e não ficar somente nas seis. Neste momento estamos a metade do objetivo e já reactivámos o Clube de Mulheres. Com isto, estamos a fazer geleia e sumo de manga, chips de banana, massa de tomate e manteiga de amendoim.
Têm por base o Centro Comunitário de Lamego, em Moçambique. Fala-nos um pouco desta zona do país e das pessoas com que têm contactado.
Desde que cheguei à comunidade de Lamego não tive muita oportunidade de passear devido aos problemas políticos do país, mas a experiência que tenho é que este povo já tem um grande conhecimento do “dinheiro” e isto faz com que as pessoas que nada têm queiram tudo. Existem muitos problemas com álcool e roubos e é difícil confiar nas pessoas. Claro que existem boas pessoas, normalmente são as mais pobres, as que nada têm; são as mais simpáticas, as mais divertidas e as que têm sempre um prato de comida para dividir.
Foste com a tua namorada. Estarem os dois juntos no mesmo projecto ajuda a superar a distância dos amigos e familiares?
Sim, claro… e de que maneira. Desde Inglaterra até agora, se não estivesse com a Joana provavelmente teria desistido do programa, porque não é fácil. Em Inglaterra trabalhámos mesmo muito e aqui vive-se humildemente, junto com o povo moçambicano e partilhando os seus hábitos. As saudades apertam e já passaram seis meses desde a última vez que passei uma semaninha em casa. Estar longe de família, da nossa Ericeira, sem o mar, as ondas, os amigos, a comida, as noites clássicas, custa… mas vale a pena.
Que repercussões da instabilidade política e social que se vive actualmente em Moçambique têm chegado até vós?
A situação está mesmo complicada. Vivemos na região de Sofala, a 150 km da Gorongosa, que é a principal zona do conflito. Aqui onde vivemos nada se passa, as pessoas a falarem deste assunto parece que não lhe dão a devida importância, pelo menos na maneira de falar, porque no fundo elas só querem paz, não sei se por muitos já terem passado pela guerra. Os jornais ou telejornais também não passam toda a verdade e neste momento acontece muita coisa, tanto nas estradas principais com no mato, onde estão as tropas da Frelimo e da Renamo. Por enquanto, aqui temos uma vida dita normal, mas sempre atentos aos acontecimentos.