«Tenho saudades de um abraço»

 

Fotografia: DR

 

Joana Martins, licenciada em Filosofia e dedicada à temática do desenvolvimento pessoal, estreia-se na AZUL com uma crónica bastante adequada ao actual contexto global, que se reflecte em cada comunidade e indivíduo.

 

O ano de 2020, sob o nome de Covid-19, trouxe-nos mudanças bruscas, insuspeitas, às quais, pasme-se (!), nos soubemos ajustar, a algumas em grande velocidade, tanta que já estávamos a cumprir com determinadas medidas, directrizes e orientações mesmo antes do intelecto tomar conta do que se passava. Mesmo sem perceber bem, às vezes, algumas coisas, cumprimos.

Não me cabe tecer comentários sobre o vírus, pois que os cientistas entendidos na matéria serão mais capazes de o fazer. Não me cabe sublinhar a disparidade que brota de um fosso entre aquilo que acontece no Mundo (importa esclarecer o meu entendimento de mundo, que parece não ser universal: Planeta Terra que, para além dessa percentagem dada como aproximadamente 70% de água, aparentemente imune até agora a esse vírus, sustenta cinco continentes, cujo chão é pisado por Homens – cinco.) e a atenção dada pelos meios de comunicação social a um certo e repetido tema.

se um gesto de simpatia salva um dia, um abraço salva uma vida

Não me cabe avaliar a gravidade da situação, pois que sou leiga nessa matéria, apesar de saber que todos os dias morrem pessoas por causas várias, algumas delas bem evitáveis. Não me cabe referir que, por repetir a mesma coisa uma, duas, três, dez vezes, ela não se multiplica a si mesma, mas antes continua uma. Não me cabe também escrever aqui que o bom senso de cada um devia imperar, sobretudo nos momentos em que é mais fácil perdê-lo; não me cabe apelar à tolerância e compreensão quando o instinto nos trai e acusamos o outro num comportamento que não faz espelho do nosso. Enfim, são infinitamente mais as coisas que não me cabem do que aquelas que me cabem, a bem dizer.

Mas uma coisa me cabe. Nesta condição de humana cada vez mais apertada na roupa de um autómato, cabe-me queixar, sentir, lamentar e ter saudades. Cabe-me dizer que sinto falta do contacto físico, do toque. Sinto falta do jogo de aproximação e distanciamento que a empatia ditava no andar dos dias.

cabe-me desejar que, para mantermos a saúde, não tenhamos de perder a Humanidade

Quando sorrio, por debaixo de uma máscara, esquecendo-me que ninguém vê, o que recebo é estranheza, desprezo. Quando, intuitivamente, desenho um princípio de gesto de cortesia, logo me detenho e volto a esta ‘normalidade’ para não me confrontar com o julgamento alheio. Sinto que aqueles pequenos gestos, inócuos, decorrentes de abstracções a que chamamos cortesia, simpatia, civismo, que só se podem materializar pela existência desses mesmos gestos, estão num limbo. Pois se são estes gestos que tornam a convivência em sociedade mais leve! Ao estarem escondidos atrás de máscaras, atrás de distanciamentos de segurança, atrás de regras de saúde (que procuro respeitar, sublinhe-se), estão a esvair-se, mesmo quando naturalmente estão lá. Se por diversas vezes, inadvertidamente, sorri ao estranho no supermercado, por detrás da máscara, e as mesmas vezes ele não retribuiu, diz a experiência que deixarei de o fazer. Mas não quero! Pois eu sei que um gesto de simpatia salva um dia. Pois eu sei que um abraço também salva uma vida.

Cabe-me desejar que possamos ser fortes e persistentes o suficiente para manter esta natureza humana por baixo das máscaras e distâncias e regras. Cabe-me desejar que, para mantermos a saúde (e é o que espero para todos), não tenhamos de perder a Humanidade.

Um abraço,
Joana