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A música já não é música. É triste esta visão, mas é a realidade. A música ou é composta por sons cadentes, repentinos e repetidos – denote-se SunStroke Project, os concorrentes da Moldávia que chegaram até à final – ou sente a necessidade de transmitir uma mensagem de igualdade suspirada, de mesquinha liberdade. O Salvador era o messias da Eurovisão, uma canção limpa, uma melodia meio Bossa Nova meio Jazz que não queria magoar ninguém, ou propor uma nova luta contra as deviações da sociedade. Não, Salvador Sobral quis fazer arte e lixou-se.
Um tema pode revirar o mundo do avesso, Bob Dylan vocalizou as injustiças de uma América dividida pelo racismo quando cantou “Hurricane”, uma homenagem a Rubin Carter. Uma música pode servir de banda-sonora para uma revolução e inspirar o moral das tropas.
A Eurovisão é a “inside joke” da Europa
Agora, uma música da Eurovisão tentar dar forma às injustiças sociais que se vive no mundo é só estúpido. Contexto é tudo. Não podem querer que um gajo meio gaja suba ao palco e trauteie uma harmonia sobre igualdade de género se minutos depois aparece outro humano, meio gajo meio “homem nos seus quarenta e tal anos que passa a manhã no cabeleireiro e a noite a pagar vodka laranja a meninas de 15 anos”, a deliciar as audiências com um saxofonezeco. A Eurovisão é a “inside joke” da Europa (e metade da Oceania).
Foram uns últimos minutos fatais. A minha mãe, que é cardíaca, não tirava os olhos do ecrã. – “Por que é que não podemos votar nele”, dizia enquanto eu lhe tentava explicar, sem bem ter essa doutrina enraizada no cérebro, que a nossa fé dependia do Papa Chico e dos imigrantes. O Bruno Aleixo, imigrante em Coimbra, devia ter liderado um movimento contra esta cláusula. Enfim.
já não somos os coitadinhos do costume.
Lembro-me da Selecção Nacional. Ao último minuto, o herói invulgar, Éder, chuta para o canto da baliza e faz-se luz em Portugal, já não somos os coitadinhos do costume.
20 pontos é uma margem pequena, ainda por cima contando que essa ourela foi determinada por uma plebe que, presume-se, baseie os seus gostos musicais em Despacitos e devagarinhos.
Sim, estamos arreliados. Talvez a vitória do Salvador faça o que a 1ª República tentou fazer com a I Guerra Mundial e una a população em torno de uma causa comum. Hoje ninguém quer saber do fosso salarial. Hoje Jerónimo e Ricardo Salgado dão as mãos para cuspir na testa da Eurovisão. Enfim, tudo na mesma.