Texto: Diana Conde | Fotografia: Peter E. Lee
Na iminência de uma ida até à praia deparei-me com a seguinte questão: E se, de súbito, o mar desaparecesse? E não me questiono acerca dos impactos ambientais que tal acontecimento poderia provocar, mas foco-me sim nos danos psicológicos que o mesmo pudesse desencadear. Se tal se verificasse, o que seria de muitos de nós, muitos que encontramos neste manto de um azul reluzente a serenidade, a calma e a tranquilidade necessárias para equilibrar todas as adversidades do dia-a-dia? Seria sequer possível sobreviver num mundo sem sermos presenteados, após um mergulho nas suas águas, com pequenos cristais de sal a repousarem à superfície da nossa pele?
Como nos sentiríamos se, em vez do mar, nos fosse apresentado um vasto deserto árido constituído por nada mais do que pequenas ilhas de resíduos distribuídas ocasionalmente pela paisagem? Não tenho a menor dúvida de que muitos enlouqueceriam se fossem condenados à privação do som do oceano. Se fossemos deixados apenas à mercê dos sons das nossas vozes estridentes ecoando e reflectindo em todas as superfícies, muitos, de certo, não aguentariam.
o mar tem uma influência extremamente grande em nós
Se tudo desaparecesse inesperadamente, em que outro local poderia eu confiar para dispersar todos os sentimentos menos positivos, ao longo dos dias acumulados? Se tudo desaparecesse, que outro lugar estaria à altura de adquirir o estatuto de refúgio predilecto?
O mar desempenha um enorme papel nas nossas vidas simplesmente por se tratar do maior elemento que temos oportunidade de tocar, de saborear e de sentir alguma espécie de controle sobre. E, em cima de tudo isto, o mar representa ainda algo extremamente belo, mágico e poderoso, incomparável com qualquer outra coisa que tenhamos a possibilidade de experienciar em toda a nossa vida. Deste modo, necessitamos da imensidão, da infinitude do mar para nos sentirmos pequenos e, consequentemente, insignificantes. Tudo isto ocorre de uma forma inconsciente, claro, pois aquilo que apenas retiramos desta experiência, aquilo que extraímos de todo o tempo passado a contemplar aquele manto ondulante desenrolando-se em direção ao horizonte, é um sentimento de leveza. Olhar o mar parece, de algum modo inexplicável, aliviar-nos de uma grande porção de todos os nossos problemas que, à partida, nos parecem mais problemáticos. O mar tem uma influência extremamente grande em nós sem que a maioria das pessoas se aperceba realmente disso.
O que seria daqueles que desejam intensamente o fim do dia de trabalho para poderem dar-se ao luxo de surfar algumas ondas? Aqueles que olham constantemente para o relógio ansiando, mais que tudo, o fim do serviço? E o que seria daqueles que exigem a adrenalina das ondas gigantes como condição necessária para a sua sobrevivência?
quantos de nós sobreviveríamos?
E se a linha que divide o grande degradée azul em duas partes, a linha que determina onde começa o céu e onde termina o mar, desaparecesse para todo o sempre? Seríamos forçados a encarar o árido horizonte, despojados de questões e de sonhos pois, já nada disso interessa.. Quando toda a beleza se dissipar, seremos obrigados a encarar o desastre que, de uma maneira ou de outra, todos nós provocámos. Quantos de nós desviaríamos o olhar, incapazes de encarar o facto de sermos nós os culpados pela destruição do paraíso que dá agora lugar a uma paisagem degradada? Um cenário que já não mais pede passeios matinais ou encontros entre amigos.
Se tudo desaparecesse, quantos de nós sobreviveríamos? Se nos encontrássemos privados da sensação da areia molhada debaixo dos nossos pés, a sensação da areia fria na nossa conexão directa com a mãe natureza, aqui nós seríamos forçados a recorrer às águas calmas dos lagos onde não apenas a cor azul inunda toda a paisagem, mas também manchas de tons variados de verde se fazem notar.
Mas e se até mesmo estes nos virassem as costas e seguissem o mesmo destino, não estando mais presentes para nos envolverem na sua atmosfera de sons calmos enquanto lemos ou fazemos paddle?
Sinceramente, quantos de nós sobreviveríamos?