Fotografia: AZUL
À hora do almoço do dia 24 de Fevereiro, Victor Elias mergulhou na água da Praia do Sul. O mar, turbulento e castanho, reflexo dos últimos dois meses de chuva e intensa agitação marítima, não o demoveu do exercício. Conhecia aquelas águas como a palma das mãos. Aventurando-se sempre com a linha de costa debaixo de olho, acabou encurralado num agueiro, que abria caminho para o alto mar. Invocando todas as suas forças, combateu a corrente, esbracejando, esbracejando, esbracejando. Até que as forças o abandonaram, sem que pudesse gritar socorro. O mar, indiferente às nossas distintas características, não lhe deu tréguas.
“Mudo”, como era apelidado, era uma figura da Ericeira, mas a maioria pouco o conhecia para lá da aparência descuidada e da existência errática dos últimos anos. Fernando Cordeiro, pioneiro do bodyboarder jagoz mais conhecido por “Nani”, lembra que Victor Elias na realidade não era mudo (“era surdo; e não na totalidade”) e conta-nos um episódio revelador da sua vontade em comunicar: há mais de 20 anos, Victor ter-lhe-á entregue uma folha com o alfabeto em linguagem gestual. “Ainda hoje sei falar dessa maneira”, partilha num misto de gratidão e tristeza antes de se despedir com um “até sempre”. Não haveria na Ericeira muitas pessoas que compreendessem Victor, desde logo pela sua dificuldade em expressar-se.
“Mudo” teve uma vida ligada ao oceano, fosse a trabalhar em barcos de pesca, a deslizar nas ondas com a sua prancha de surf ou a nadar. Diz quem o conhecia que nadava com muita frequência, de Inverno a Inverno. Samuel Pereira, surfista e instrutor no Activity Surf Center, já havia surfado com ele em várias ocasiões e sabia que Victor gostava imenso de estar no mar. “O Mudo foi um big rider aqui da Ericeira em tempos e tinha o hábito de ir nadar. As pessoas achavam normal, mas desta vez o mar estava pior e a maré a vazar. Ele ficou aflito e tentou remar contra a corrente até ficar sem forças”, relatou à Surf Portugal.
Por altura da fatalidade, Samuel estava em casa a almoçar. Soube pelo telefone que “Mudo” se encontrava em apuros, quando o primo Pedro “Kikas” Tavares lhe disse que as autoridades lhe pediram auxílio. Nessa altura, havia uma indefinição sobre como chegar junto de Victor: o mar estava agitado e o porto de pesca da Ericeira, coberto de areia, impossibilitava colocar uma mota-de-água prontamente na água. Acabaram por pedir ajuda à população para colocar o veículo na água, processo que demorou mais de um quarto de hora. Entretanto, Samuel e “Kikas“ chegaram à praia antes de qualquer meio de salvamento. Vestiram o fato, correram para a praia e lançaram-se ao mar, sob o olhar de mais de duas dezenas de pessoas que assistiam a tudo na calçada da praia. Ainda a mota-de-água da Polícia Marítima não tinha chegado quando conseguiram trazer o corpo de Victor para terra.
A notícia da sua morte aos 40 anos correu a vila e o sentimento geral era uma mistura de incredulidade e indignação. Se já era difícil imaginar que “Mudo” pudesse sucumbir no mar, torna-se muito complicado compreender a demora na chegada dos meios de salvamento. “Os meios de salvamento deveriam ter sido mais céleres. Gastaram milhares de euros ali mas não pensaram em tudo. Já se sabia que isto ia acabar por acontecer. Se fosse mais perto, provavelmente, tinham retirado o corpo com vida, pois já é hábito recorrer aos surfistas, mas foi mais longe e acabou por ser impossível evitar. Tem de haver condições quando é preciso sair um meio”, alertou à Surf Portugal um elemento do Instituto de Socorros a Náufragos.
A AZUL endereça votos de sentimentos aos familiares e amigos de Victor Elias.