Fotografia: Pedro Góis
Impressão digital
Miguel Veiga Montez
Nascido em Lisboa a 24 de Junho de 1961
Técnico de Educação Especial e Reabilitação
Quando é que começaste a surfar?
Comecei a surfar na Ericeira em Agosto de 1978, em Ribeira Dílhas. Antes disso era fazer carreirinhas com os colchões Repimpa na Praia do Sul.
Quantas pessoas surfavam pela Ericeira quando começaste a apanhar ondas aqui?
Nas praias da vila não se via ninguém surfar. No Verão era malta da Linha do Estoril, principalmente de São Pedro e de Carcavelos, que vinha acampar para Ribeira d’Ilhas e por ali ficavam até acabarem com o dinheiro e a comida, e também alguns (poucos) “bifes”. Foi assim que comecei, ao encontrar na vila, à noite, malta que conhecia e que estava acampada em Ribeira d’Ilhas e que me convidaram a experimentar. Comecei a ir para Ribeira com o Tiago Faden (aka ‘Hawaiano’) e experimentámos. Claro que nesse Verão fiquei viciado. Continuei a fazer durante o Inverno, em que ia ter com esses amigos a São Pedro do Estoril, pois não tinha material, mas só conseguia ir aos fins-de-semana. No Verão seguinte comecei a levar os meus amigos da Ericeira para Ribeira D’ilhas: o Zé Menezes, o Diogo Sarmento, o Tó Branco, o Gonçalo Salazar de Sousa e mais outro de que até me posso estar a esquecer. Formou-se uma bela pandilha, que felizmente dura até hoje na maioria dos casos, todos ainda a surfar. Também por essa altura começaram a surfar o Celso Barros e o ‘Figuinhos’, que eram Jagozes.
não havia crowd, apesar de haver localismo toda a malta que surfava se conhecia ou passava a conhecer-se
Em que picos ou praias costumavam surfar mais?
Principalmente íamos para Ribeira d’Ilhas e a pé. Só mais tarde começámos a experimentar outros picos, à medida que começava a haver mais gente a surfar e começámos a procurar ondas diferentes tanto a Norte como a Sul – aqui, especialmente os beachbreaks –, até porque entretanto também já tínhamos carta condução e havia alguém com carro.
Que memórias guardas desses tempos dourados?
Memórias fantásticas. Não havia crowd, apesar de haver localismo toda a malta que surfava se conhecia ou passava a conhecer-se. Havia muito mais união e solidariedade entre todos.
Quais foram as maiores mudanças desde que começaste a surfar?
Tudo mudou. Quando comecei não havia nada em Portugal em termos de material. Compravas pranchas e fatos a alguém que estava a vender, principalmente australianos, sul-africanos e ingleses ou americanos que já não queriam levar o material de volta e aqui tinham a venda garantida. E não se pense que era fácil. Fiz os primeiros dois Invernos de surf sem conseguir ter fato. As deslocações também eram mais difíceis, em termos de transportes. Os leashes eram feitos por nós, assim como as barras de wax. A nossa pandilha usava muito o wax “Menezes”, na época grande concorrente do Sex Wax. Foi uma grande alegria quando consegui ter a primeira prancha “customizada”: uma Lipstik shaped by Nick Uricchio. A informação do que se passava no mundo chegava cá muito desfasada, através das revistas ou de estrangeiros com quem se convivia. Um filme de surf era uma festa… e rara.
A partir da segunda metade da década de 80 do Século XX começou a haver mais importação, empresas e lojas a surgirem e a apostarem na revenda e tudo foi evoluindo sempre um pouco mais até aos nossos dias. Também foi havendo mais gente a fazer, começaram a criar-se clubes de surf, que começaram a criar competições, uma coisa leva à outra e o crescimento do surf foi-se consolidando. Começou também a haver revistas de surf nacional e surgiram programas de surf na televisão nacional, o que na altura foi um salto monstruoso.
Hoje é uma indústria que tem bastante peso, também em Portugal, pois mexe já com muitas outras coisas, porque é motor de desenvolvimento para o Turismo em várias vertentes, para as marcas de material de surf e todos os negócios que foram surgindo com o crescimento do surf, desde as escolas de surf, viagens com o pacote total, etc.
tem de haver decisões politicas em termos de regulamentação e, principalmente de planeamento
Continuas a surfar? Com que regularidade? Procuras fugir do crowd?
Felizmente que consigo surfar todos os dias e, regra geral, faço três a cinco surfadas por semana. Fugir do crowd acho que já é missão impossível, a não ser que tenhas vários dias livres para poderes sair da zona da grande Lisboa.
A essência do surf na Ericeira também mudou?
Claro que sim. Hoje é o centro do surf em Portugal: pelas empresas que aqui se encontram, pelos eventos que acontecem, pelos vários atletas da World Surf League que aproveitam o “defeso” para treinarem na Ericeira pela consistência e variedade das condições que a sua costa proporciona.
O que mudou após a consagração da Reserva Mundial de Surf, em 2011?
Foi mais um motivo de atracção para a Ericeira. Tens cada vez mais gente a querer conhecer a Ericeira, a querer viver na Ericeira e a desenvolver estratégias para o conseguir. Assim, o desenvolvimento é exponencial em todas as áreas, nomeadamente nas que se relacionam com o surf. É incontornável e penso que é um aspecto positivo.
O aspecto negativo para mim é a forma como acontece. Ou seja, tem de haver decisões politicas em termos de regulamentação e, principalmente, de planeamento. O que em Portugal acontece por norma tarde e mal. Assim, o que se verifica é que a pressão urbanística prevalece e as infra-estruturas básicas (de saneamento, viárias, etc) estão desajustadas. Na prática, chega-se a Abril/Maio e tudo se intensifica. Torna-se cada vez mais difícil movimentar e estacionar na Ericeira ou percorrer o caminho de Ribeira ao Lizandro. Há mais trânsito porque não foram criadas alternativas viárias e agora já não é possível criá-las. Com a chegada do Verão acontecem várias descargas da ETAR de águas não tratadas, pois a mesma não tem capacidade para tanta população e não consegue tratar todos os esgotos que se produzem. E a construção não pára, para dar resposta à procura, com as consequências que todos sabemos que acontecem. Este é o aspecto perverso.