Fotografia: Ricardo Ramos
Impressão digital
Nicholas Uricchio (na escola era conhecido como “Nicotine” mas agora sou apenas Nick)
Nascido a 10 de Julho de 1958 no Connecticut, Estados Unidos da América
Shaper e sócio-gerente da Semente Surfboards desde 1982.
Quando é que começaste a surfar? Foi na Ericeira ou noutro sítio?
Comecei em 1973 na Califórnia. Eu vivia em San Gabriel Valley, perto de Pasadena, e comecei a surfar em Huntington Beach.
os Coxos ainda não era uma onda muito conhecida quando me mudei para cá
Já havia muitas pessoas a surfar pela Ericeira quando começaste a apanhar ondas aqui?
Não, em 1978 ainda não havia muita gente. Era um grupo pequeno de locais, além dos que vinham de Lisboa ou de Cascais aos fins-de-semanas, que era muito de vez em quando porque havia poucos carros e as estradas eram más, o que fazias as viagens tornarem-se longas. Não havia a facilidade de ir de um sítio para o outro como há hoje em dia, com a auto-estrada.
Em que picos ou praias costumavam surfar mais?
Naquela altura era Ribeira d’Ilhas, Foz do Lizandro, São Julião, Reef… os Coxos só um bocadinho mais tarde, ainda não era uma onda muito conhecida quando me mudei para cá. Entre 1978 e 1982 acho que só fui aos Coxos uma vez com o Zézinho [ndr: Lafuente] e só depois de me mudar para cá é que comecei a surfar lá regularmente.
a onda dentro do mar era muito mais tranquila, havia uma irmandade do surf muito mais gira
Que memórias guardas desses tempos dourados?
Acho que era um espírito de surf diferente. Era mais puro, mais descansado, Ribeira d’Ilhas era um sítio selvagem, não havia o desenvolvimento que existe agora. A onda dentro do mar era muito mais tranquila, havia uma irmandade do surf muito mais gira – é natural que fosse assim porque havia muito menos pessoas a surfar. Nos Coxos ficava toda a gente sentada na relva a olhar para o mar quando estava lindo. A seguir ao surf vínhamos aos cafés do centro da Ericeira, que eram poucos na altura, comer umas bolas de berlim e pastéis de nata – era uma cena mais castiça e caseira, por assim dizer.
Quais foram as maiores mudanças desde que começaste a surfar?
Cada vez há mais gente, uma mudança que se tem verificado por Portugal fora, devido à beleza, clima e qualidade do surf no país, o que é natural e acontece em todos os sítios com boas condições para o surf como a Ericeira tem. A vila em si também mudou, duma vila piscatória para uma vila turística e com muitos estrangeiros por todo o lado, seja em terra ou no mar, com muitas escolas de surf, o que não havia antes, tal como outras coisas: construção, trânsito…
Continuas a surfar com regularidade? Procuras fugir do crowd?
Sim, continuo a surfar com regularidade, embora não tanto como dantes. E estou sempre à procura de sítios com menos crowd, que para mim com mais idade é mais chato: não há grande respeito e os crowds tiram-me um bocado daquilo que gosto no surf. Aliás, hoje em dia estou muito mais virado para o mergulho [ndr: caça submarina], que é uma coisa que faço sozinho sem ninguém a chatear-me… vou descansar, é diferente. No surf já não encontro o descanso que encontrava antigamente.
A essência do surf na Ericeira também mudou?
A essência do surf mudou em geral, devido ao aumento do crowd, às escolas de surf, etc. o surf é um cancro em qualquer sítio que comece… as pessoas gostam de fazer surf, vai atrair cada vez mais gente e haver cada vez mais crowd, o que vai acabar com a própria essência daquilo que é bonito no surf.
O que mudou após a consagração da Reserva Mundial de Surf, em 2011?
De positivo, quanto a mim só há um aspecto: a nível de negócios melhorou, sem dúvida nenhuma. Quando aos aspectos negativos, há mais gente, mais crowd, escolas de surf… houve um overkill [ndr: em português, exagero, excesso] geral de tudo: lojas, restaurantes, sem nenhum controlo na construção, que eu acho pena para uma vila piscatória bastante bonita, tanta construção tem vindo a estragar a beleza natural da terra. E onde esta construção vai acabar vamos lá ver… é uma coisa que nunca foi bem controlada, nem sequer no tipo de casas, para manter uma coerência com a arquitectura local – é uma casa moderna ao lado duma antiga e duma foleira. Por isso a Ericeira e os arredores já não são tão bonitos como eram dantes.