Lara Roseiro: “Quero convidar ao diálogo, estimular o pensamento e contornar o quotidiano”

 

Obras: Lara Roseiro

 

“Espera” e “Casa” são as principais premissas da série “Interioridades”, da pintora Lara Roseiro, que está patente até dia 20 na exposição “Narrativas Paralelas”, dividida entre a Helder Alfaiate Galeria de Arte e o Vira Copos.

Com trabalhos que apelam à feminilidade, ao quotidiano e aos sonhos das mulheres, a artista de Azeitão criou um conjunto de obras que partem de recortes de figuras femininas retirados de revistas de moda e publicidade, dando-lhes um novo sentido e narrativas. O imaginário da intimidade e do resguardo das mulheres num espaço privado, que também é de reflexão, surgem como elementos centrais da “Interioridades”.

 

O que é a série “Interioridades”?

É uma nova série de pinturas que está a ser desenvolvida desde o início do ano. “Interioridades” dá continuidade a um processo criativo em torno de cenários interiores, sendo um conjunto que evoca as interioridades do lar, como espaço doméstico e estado afetivo, assim como um lugar seguro e prisioneiro, sugerindo feminilidade. “Interioridades” torna o observador em voyeur, levantando questões sobre o prazer da contemplação da intimidade do outro. A matriz, que aparece em primeiro plano, remete para o resguardo, a protecção, o esconderijo ou a clausura da arena privada, deixando transparecer uma ambiguidade na posição das figuras e expressando privacidade, intimidade e alguma sensualidade, abordando, portanto, uma dualidade: o público e o privado.

 

O que a motivou a fazer esta exibição?

Motiva-me trabalhar no atelier diariamente, através de disciplina, perseverança e rigor, sem nunca me acomodar, e essa persistência resultar num reconhecimento, em que surgem convites, como foi o caso desta exposição pelo galerista Helder Alfaiate, assim como o incentivo do pintor e amigo João Paramés, que também expõe nestas “Narrativas Paralelas”.

Interioridades torna o observador em voyeur

A casa, a intimidade e o feminino são os conceitos dos trabalhos. Porquê?

Estes conceitos estão muito ligados à mulher e, por isso, é o universo que conheço melhor, está mais próximo da minha realidade ou intimidade e, também, o que mais me interessa abordar como meio de questionamento. A premissa “Casa”, um habitáculo da intimidade, surge como elemento principal e primitivo do processo criativo. Este espaço privado, interior e doméstico abre caminho para outro princípio fundamental, a “Espera”, que evidencia a feminilidade, pertencendo aos valores da intimidade e do próprio espaço físico de cada um, uma interioridade e familiaridade que reporta para o território pessoal. A “Casa”, que alberga a memória, o sonho, a intimidade e a solidão como cerne do trabalho, lembra o filósofo Gaston Bachelard, em “A Poética do Espaço”. Isto pela análise que faz a esta morada pessoal e à sua ligação com racionalidades e irracionalidades. Deste modo, a “Casa” é, enquanto espaço interior, o lugar onde nascem os sonhos nos momentos de solidão e também onde se constroem as vivências mais íntimas e pessoais. É igualmente entre paredes que se materializam narrativas, através da recolha de experiências confinadas ao lar, em que o processo artístico remete para a pintura de género, exibindo cenas de interior, situações de rotina ou frames do quotidiano e a figura feminina enquanto objeto de contemplação, mas sem qualquer revolta declarada. Portanto, todos estes conceitos se entrelaçam e aparecem durante o processo artístico.

 

Que meios utilizou para estes trabalhos?

O meu processo criativo recorre à apropriação de imagens de revistas publicitárias e de moda em que importo modelos femininos que me auxiliam na base do trabalho, despojando ou descontextualizando as imagens do cenário original. A cor e a materialidade da textura são importantes na obra, de modo que utilizo colagens de papel e tecido, bem como tintas acrílicas, grafite, lápis de cor e pastel de óleo.

 

Que impacto deseja que esta exposição tenha nas pessoas?

O impacto primordial é convidar ao diálogo, estimular o pensamento e contornar o quotidiano do outro. No fundo, é levar as pessoas a ver arte de forma a questionarem-se e absorverem algo novo, isso é o mais importante. Claro, depois espero que lhes traga algo positivo e que achem interessante o que observam.

O que me influencia é o quotidiano e a constante procura do tudo e do nada

O que a influenciou neste trabalho?

O que me influencia, não só neste trabalho como em outros, é o quotidiano e a constante procura do tudo e do nada. São fundamentalmente as leituras, as exposições, as viagens, as conversas com o outro, impulsionando assim a memória e a criatividade. São estas narrativas que materializo diariamente.

 

Conhece a Ericeira? Que relação tem com a vila?

Conheço a Ericeira como um local de paragens curtas, mas considero-a uma vila acolhedora e muito agradável pela sua paisagem, arquitectura, gastronomia e cultura.

 

Está a preparar novos trabalhos? O que nos pode adiantar?

Neste momento estou a dar continuidade à série “Interioridades” [que vai estar patente na Cordoaria Nacional, em Lisboa, na Feira de Arte e Antiguidades de 5 a 13 de Abril, através da Helder Alfaiate Galeria de Arte] e a um caminho paralelo intitulado “Para lá da Pintura”, que consiste na apropriação de objectos do quotidiano – domésticos e decorativos – e na transformação, citação ou enquadramento destes numa linguagem nova, que remete para uma ideologia de feminilidade e domesticidade. Aqui utilizo uma multiplicidade de técnicas que incluem a assemblage, o bordado e a instalação.