Texto: Diana Conde | Fotografia: Gaston Bevacqua
No outro dia perguntaram-me onde gostaria de viver em Portugal. A resposta foi pronta e houve até quem conseguisse responder acertadamente por mim. Se eu pudesse escolher, inquestionavelmente escolheria o lugar onde o mar é mais azul, o vento mais forte e a água mais gelada.
Incontestavelmente escolheria a terra do azul e do branco, vila rainha das portas bonitas e dos azulejos trabalhados. Escolhia a terra das línguas: do espanhol, do inglês, do francês e do alemão.
o meu coração continua fiel ao seu primeiro amor
Terra do português mal dizido por todos aqueles nómadas que por breves momentos aí fazem casa. A “Êuricêira” de todos os estrangeiros que por lá passam e que passam também, depois, de boca em boca, os seus encantos.
Escolhia a terra de ouriços e de pescadores, a vila premiada com o pôr-do-sol mais bonito.
É-me difícil dizer ao certo quando foi que me roubaste o coração, mas é certo que o fizeste e que te tornaste, assim, ponto de comparação para qualquer novo recanto que tenha a oportunidade de conhecer. Tornaste o “Faz-me lembrar a Ericeira” no melhor complemento que um novo lugar consegue obter na minha consideração, não deixando, no entanto, de rematar sempre, sem excepção, com um “mas não é a mesma coisa”, numa afirmação pessoal de que o meu coração continua fiel ao seu primeiro amor.
Tornaste-te o meu porto de abrigo, o local para onde a minha mente vagueia quando as coisas dão para o torto. Em tempos mais negros encontro conforto em sonhar com as tuas ruas estreitas, calcetadas e ladeadas pelas paredes brancas e azuis tão características. Encontro serenidade no teu pôr-do-sol em São Lourenço e na dança dos teus surfistas em Ribeira d’Ilhas.
Presente em muitos marcos importantes da minha vida, testemunhaste a minha primeira aula de surf (em que outro lugar poderia ter sido? Em Peniche, talvez, até têm as suas semelhanças… mas não é a mesma coisa!) e deixaste o meu corpo de porte fraco e os meus esguios braços a puxar para o esquelético sem forças ao surfar no Matadouro. Mas deixaste-me também com uma vontade enorme de repetir, de voltar a subir para a prancha e embrenhar-me na tua corrente gélida e vivaz. Deixaste-me sedenta desse contacto directo contigo.
Testemunhaste os meus amores e dissabores e que bom que é, apesar de tudo, poder voltar a encontrar conforto no teu colo sempre que te procuro em busca de auxílio.
um dia ainda serás minha
Até ao momento, foram poucas as coisas capazes de igualar a felicidade que é chegar até ti, olhar o teu azul e respirar o teu mar, e encontrei apenas uma razão capaz de abalar este bem-estar: a noção de que, inevitavelmente, terei de partir.
Digo e repito “um dia ainda vou viver na Ericeira” como um mantra que tenho intenção de manifestar, porque acredito de facto que um dia, ao despertar, vou respirar esse teu cheiro a maresia e encontrar o aconchego de casa. Um dia vou-me emaranhar no meio dos teus surfistas e dos teus forasteiros e não me vou sentir desajustada. Até lá, vou cuidando deste amor o melhor que conseguir e vou partilhando-o com o mundo, com todos aqueles que me comunicam, num tom inocente de quem não sabe o que é bom: “Eu nunca fui à Ericeira”.
Um dia ainda serás minha. A minha Ericeira.