Texto: Hugo Rocha Pereira: | Fotografia: DR
O Arte Estúdio Imaginário (AEI) promove e produz eventos culturais e de formação ligados ao cinema de animação, entre outros, desde 2015. Com sede na Encarnação, freguesia do concelho de Mafra, esta Organização Sem Fins Lucrativos já foi responsável, entre outras iniciativas, pela mostra ANIMUS e pelo Mafra Animation Film Festival – MANIFEST, festival de Cinema de Animação realizado em Setembro na Ericeira. Conversámos com Joana Imaginário, realizadora e um dos rostos deste colectivo, sobre o passado recente, presente e futuro do projecto cultural, além de revelarmos detalhes sobre a sua próxima obra de âmbito pessoal.
Que balanço fazem da primeira edição do Mafra Animation Film Festival – MANIFEST?
Sendo o Manifest o maior evento de cinema de animação de Mafra depois do Animus, em 2019, o balanço teria de ser sempre positivo. Foram trazidos à Ericeira 74 filmes durante 3 dias, dos quais 15 de produção nacional. É uma pequena parte, mas de muita qualidade, pelo menos na opinião dos directores artísticos, da produção artística contemporânea mundial que pôde ser vista pela população do Concelho de Mafra e não só. Entre convidados e público em geral (vindos de vários pontos do país, e um convidado internacional, o realizador Juan Pablo Zaramella), no final de Setembro a Ericeira tornou-se num importante ponto de encontro de artistas e apreciadores de todas as idades. Realizadores e outros profissionais do cinema de animação partilharam a sua experiência e enriqueceram com a sua arte quem compareceu nas sessões, Masterclass ou mesmo nos encontros informais do foyer ou no bar ao fim da noite. As sessões para escolas, sessões de estudantes e de profissionais culminaram num concerto de estudantes de percussão da Metropolitana de Lisboa, com quem criámos uma parceria de modo a envolver a música no todo que é a actividade artística do cinema de animação. Para além de um lugar onde se pode ver bom cinema, o Manifest pretende sensibilizar públicos, através deste meio multidisciplinar por excelência, para a importância da arte em qualquer comunidade e sociedade em geral. Enquanto houver alguém que sinta, reflicta, se torne mais sensível e consciente em relação ao outro e ao espaço que nos rodeia depois de ter sido envolvido e confrontado com as imagens projectadas na tela do auditório, então vale a pena continuar a fazer e a mostrar esta arte.
Qual é a relação entre o Animus e o Manifest?
O Animus foi a resposta ao primeiro desafio que nos foi lançado para organizar um festival de cinema de animação em Mafra. Foi uma mostra, de facto. Os únicos filmes em competição eram os de estudantes nacionais e todos os outros foram uma selecção de programas da Monstra – Festival Internacional de Cinema de Animação de Lisboa. Foi muito importante o ano zero, pois percebemos que teríamos de unir esforços com outras pessoas do meio para tornar visível um trabalho que, apesar de ainda levar alguns anos até ser conhecido por todos os mafrenses, está a iniciar um ciclo e a tentar ganhar o seu lugar entre as actividades artísticas do concelho.
Como residentes em Mafra, artistas visuais e directores artísticos de ambos os festivais criamos e definimos a imagem e o contexto em que os filmes e tudo o que pode acontecer à volta deles são apresentados. Mas há uma tendência e a clara necessidade de criar uma equipa de suporte às várias áreas, especialistas mais e menos jovens, essencialmente locais, que permitam chegar a um maior número de pessoas para que o Manifest se torne um festival de referência e, principalmente um encontro entre artistas e o público para quem, em última instância, a sua arte é feita.
O Arte Estúdio Imaginário foi convidado pela Câmara Municipal de Mafra (CMM) a organizar este evento, realizado em parceria também com outras entidades – como resultou essa articulação?
Este ano foram, para além da Monstra, acrescentadas as parcerias com o Cinanima – Festival de Cinema de Animação de Espinho e a Casa da Animação, sediada no Porto. Eu e o Francisco partilhamos a opinião de que, apesar da pertinência da existência de mais um festival de cinema de animação em Portugal, nomeadamente em Mafra, devemos ligar-nos a outros eventos semelhantes, alguns com várias décadas de existência, criando uma rede que pode ser muito importante na divulgação desta área cinematográfica. O convite partiu da CMM em ambos os casos, mas desde 2015 que o AEI promove e produz eventos culturais e formação ligados ao cinema de animação, entre outros. Tem sido um caminho percorrido ao longo de vários anos tanto ao nível da produção pessoal como da nossa responsabilidade como artistas no meio social que habitamos.
desde 2015 que o AEI promove e produz eventos culturais e formação
E como tem sido a vossa relação com a autarquia nos últimos anos?
A autarquia tem sido essencial na realização do Festival. Temos tido total autonomia para trabalhar esta área que tão bem conhecemos, mas sem o apoio e toda a logística ao nível dos auditórios e da exibição de obras o festival não existiria. Este ano a câmara fez parte de um apoio da Direcção Geral das Artes, nomeadamente da RTCP, o que nos permitiu realizar um festival, em vez da mostra de 2019, ou seja com competição de filmes de todo o mundo e com a presença de convidados, que por sua vez despertam o interesse de novos públicos. Em todas as áreas os festivais são agora o melhor meio para reunir o público em torno dos seus vários interesses. Eventos esporádicos e sem continuidade não conseguem construir uma estrutura sólida para despertar o interesse e para que a cultura seja considerada um bem também muito necessário. Apesar dos poucos meios com que todos ainda trabalhamos, o pelouro da Cultura da Câmara de Mafra está a tentar valorizar o papel da arte, através da criação de eventos como o Manifest.
O Cinema de animação é cada vez mais uma expressão multi-disciplinar, o que enriquece bastante esta forma artística… De que forma é importante a Educação pela Arte?
A Educação pela Arte é uma espécie de lema que sempre defendemos. A desvalorização da arte por quem tem o poder de criar as condições para o trabalho dos artistas, a dificuldade em encará-los como profissionais e não como alguém que se entretém nas horas vagas, até porque não há horas vagas, são questões em relação às quais não podemos encolher os ombros e desistir. Sempre foi o papel dos artistas lutar contra a corrente e mostrar aos que desconhecem a realidade e o dia-a-dia dos artistas, como é que a sua obra acontece. No caso específico dos filmes são anos de trabalho até que o público se sente confortavelmente e usufrua. É preciso dar esta educação e a melhor maneira é produzindo, exibindo e explicando. Não só às crianças mas também a todas as pessoas que se predisponham a entrar no mundo da criação e da arte. Nem todos têm de ser artistas, embora o sejam em potência, tal como não temos de ser músicos para apreciar um bom concerto. Mas cultivar o conhecimento é uma forma de difundir o respeito pelos artistas, pela arte em geral e pelas artes visuais em particular.
Como podem ser medidos e avaliados os respectivos impactos?
A arte e a cultura não têm peso nem medida. Os resultados do nosso trabalho, independentemente da quantidade de público que dele usufrua, estarão à vista apenas nas próximas gerações. É muito raro o artista trabalhar para a sua época. Fazemos parte de um fluxo. Alguém nos proporcionou as aprendizagens e oportunidades necessárias para o que fazemos hoje. Somos o resultado do trabalho de alguns pais, um punhado de educadores e muito poucos governantes e, claro, das nossas capacidades, esforço e perseverança. Há que cumprir agora a nossa parte.
o terceiro filme de Joana Imaginário deverá estrear em Março de 2023
Sabemos que a Joana Imaginário tem uma curta-metragem em produção: é possível levantar um pouco o véu sobre a mesma?
O meu terceiro e último filme chama-se “A casa para guardar o tempo”. Encontra-se neste momento a ser sonorizado e estará pronto no final do ano. Em Portugal deverá estrear em Março de 2023 na Monstra – Festival Internacional de Cinema de Animação de Lisboa. Depois disso será com certeza exibido em Mafra, acompanhado pela exposição dos cenários. Sendo um filme de stopmotion tem muito material que pode acompanhar o filme e aproximar os processos do público. Todos os meus filmes têm tido uma base comum: o processo criativo, a arte no dia-a-dia como um legado do passado para o futuro. Neste caso o filme passa-se numa casa-museu onde se preservam a criação e a arte. Mas um dia todos os livros ficam doentes e confrontam-se as dualidades luz/sombra, abertura/fechamento. Por fim a voz e a leitura salvam as histórias, permitindo a passagem do espírito inventivo que nos liga. Este filme é também ele um manifesto.
O que nos podem contar sobre as vossas oficinas de cinema de animação?
As oficinas são o modo mais directo para “educar” o nosso público sobre o que é e como se faz cinema de animação. O Francisco é o animador da casa e juntos criámos uma dupla com uma boa dinâmica. Fazemos oficinas para todas as idades. Deparamo-nos por vezes, principalmente com os mais jovens, com as dificuldades do abrandamento, condição essencial para se fazer animação, não trabalhássemos nós imagem por imagem. Mas no geral há um sentido de descoberta que nos entusiasma a todos. Usamos geralmente a técnica de recortes e, havendo continuidade, avançamos para a animação de volumes. Estamos a programar uma formação para professores que envolverá também animação 2D e edição. Para o público em geral iremos fazer em 2023 uma oficina no último fim-de-semana de Fevereiro no AEI, o nosso estúdio nos Casais de São Lourenço.
Que projectos têm na manga para o futuro?
O Manifest será bienal, logo acontecerá em Setembro de 2024 nos mesmos moldes. Em Setembro de 2023, para não se perder o hábito de ver cinema de animação na Ericeira no final do Verão, faremos três sessões nos dias 22, 23 e 24, com as conversas do costume em torno das obras, e tentaremos ter pelo menos um realizador presente para partilhar a sua experiência. Ainda por confirmar existe a possibilidade de fazermos sessões de cinema comentadas nas escolas para um número alargado de crianças. Se as escolas não podem ir ao auditório, iremos nós às escolas. Serão programas curtos, com cerca de 30 minutos, com uma breve demonstração de como se faz cinema de animação e uma explicação sobre os filmes em termos de temática e técnica. Em termos de trabalho pessoal, pretendo desenvolver, ainda em fase de projecto, o meu próximo filme, pois acima de tudo somos artistas, realizadores de cinema, e a nossa arte é o motor para tudo o resto.