Dançando na Ericeira com Paula Rego e Nick Willing

 

Fotografia: Manuela Morais

 

A jornalista do Público Lucinda Canela entrevistou recentemente a pintora Paula Rego e o seu filho Nick Willing a propósito do documentário “Paula Rego, Histórias e Segredos”. Nesta conversa, realizada em Londres, cidade em que vivem o realizador e a artista plástica, a Ericeira foi um dos tópicos presentes, tanto directa como indirectamente, pelos quadros em que surge representada e pelo papel desempenhado na vida da consagrada artista de 82 anos.

Esta entrevista, publicada a 31 de Março, representou “duas horas e meia de conversa que passaram por muitos dos temas que o documentário e a exposição abordam: a solidão da infância (…) a perda da fortuna familiar logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, que a obrigou a vender a quinta dos avós na Ericeira; o reconhecimento tardio da sua obra; a doença do marido (…)”. Recuperamos alguns excertos bastante reveladores, ilustrados com quadros e uma fotografia do período em que o casal Paula e Victor viveu com a família na Quinta Figueiroa Rego:

“Vic Willing é uma presença central, ainda hoje. De 1957 a 1962, vive com Paula Rego e os filhos de ambos na quinta da família na Ericeira e, entre 1962 e 1974 passa a dividir o tempo entre esta vila piscatória nos arredores de Lisboa e Londres, assumindo pelo meio a gestão da fábrica de componentes electrónicos que o sogro, um engenheiro electrotécnico que trabalhara para a Marconi, tinha deixado. Victor era um pintor, não um empresário, e isso rapidamente se tornou evidente – a forma como conduziu os negócios e a própria revolução levaram a família à falência, com Paula Rego a ver­-se obrigada a vender quase todo o património familiar e a mudar-se
definitivamente para Inglaterra.”

Paula Rego: Eu desci as escadas e ali estava ele aos beijos com uma mulher muito bonita que parecia a Claudia Cardinale.

“Numa ocasião, conta a pintora, chegou a surpreendê-­lo a beijar uma convidada na sala da casa da Ericeira e, ao contar o sucedido a uma amiga muito próxima do casal, ficou a saber que também ela se sentia traída e porquê.”

“Paula Rego: Eu desci as escadas e ali estava ele aos beijos com uma mulher muito bonita que parecia a Claudia Cardinale. Até eu percebi porque é que o Vic queria agarrá-­la, mas fiquei desolada na mesma.”

“Essa mulher que lembrava a estrela do cinema italiano é evocada numa das obras mais importantes do seu percurso, Os Cães de Barcelona”. 1965 – Colecção João Rendeiro.

Cães de Barcelona, 1965, Paula Rego

Cães de Barcelona, 1965, Paula Rego

“Os anos da Ericeira foram catastróficos para Victor Willing, que não conseguia trabalhar, embora apreciasse o ritmo da vida à beira­-mar. Francis Bacon, artista e amigo do pintor que tantas vezes lhe pagou o pequeno-almoço em Londres para que Vic não ficasse o dia todo sem comer, desaconselhou-­o a permanecer em Portugal, recorda Paula Rego.”

“Lembro­-me de um dia estar sentado no terraço depois do almoço. Tinha sido um almoço simples mas delicioso, muito à portuguesa: peixe grelhado comprado na praia nessa manhã, pão acabado de cozer, vinho da região; a Paula tinha voltado para o atelier, eu estava a ler The Sunday Times (com quatro dias de atraso), Caroline, a nossa filha mais velha, estava a brincar com as bonecas ao sol. E de repente percebi: Santo Deus, é isso exactamente! As pessoas trabalham toda a vida para chegarem a esta situação, e aqui estou eu, jovem e saudável, a usufruir de tudo isto agora — e, no entanto, sei que alguma coisa está errada na minha vida”, reconheceu o pintor numa entrevista ao crítico de arte John McEwen, uma das pessoas que mais e melhor têm escrito sobre Paula Rego e a sua obra.”

“No estúdio que tinham na Ericeira, recorda agora o filho, ninguém tinha autorização para entrar quando ambos estavam a trabalhar, separados por uma cortina. “Se queríamos pedir ou mostrar qualquer coisa, tínhamos de pôr os desenhos e os bilhetinhos por baixo da porta.” Nick, Victoria, hoje actriz, e Caroline, autora de contos para crianças, viam o atelier como “um santuário.”

A Dança, 1988, Paula Rego

A Dança, 1988, Paula Rego

“A Dança, uma das obras em que Paula Rego se despede do marido, Victor Willing. É ele o primeiro homem que aparece, à esquerda, dançando com outra mulher. A cena passa‐se na Ericeira e evoca também os tempos que a família ali viveu.” 1988 – Colecção Tate Britain.

“O pintor estava confinado a uma cama e, segundo o filho, tentara matar­-se um ano antes. A doença de Vic Willing, com um desfecho previsível, está na base de várias obras de Paula Rego, da série Mulher cão a A família (1988), passando por Partida (1988) e A dança (1988), despedidas comoventes.”

A entrevista original ao Público pode ser lida aqui na íntegra.