Texto: Felipe de Ramos | Fotografia: DR
Felipe de Ramos, que se estreia com este texto na AZUL, é licenciado em Estudos de Cultura e Comunicação (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa) e é estudante do Mestrado em Estratégia (Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas-UL) e do Mestrado em Crítica, Curadoria e Teorias da Arte (Faculdade de Belas-Artes-UL). Gosta de palavras, chocolates, café e atum.
Comunicação. Certa vez um chefe não disse que ia dizer uma coisa que ia influenciar um coiso que era do nosso interesse. Certa vez uma namorada não disse que o que pensava fazer era deixar-nos a pensar se ela ia fazer alguma coisa quanto a nós dois. Certa vez um pai não disse ao filho que o filho podia dizer-lhe o que queria ser quando crescer ou quando já fosse crescido.
Bora falar?
No trabalho, por exemplo: quem nunca engoliu um crocodilo por incompetência comunicacional superior ou horizontal? Se dissessem para fazer “A” depois de “B” ao invés de “B” depois de “A”, já não era mal. O sofrimento do dito “colaborador” pelo menos era outro que não o de não lhe terem dito nada e, do nada, pedirem o resultado da soma de “A” e “B”. Já não existem empregos das 9h às 17h e temos todos de saber fazer aquilo do multitasking, é verdade. Mas pergunto-me: não seria já um grande alívio à vida contemporânea trabalharmos, de facto, em equipa; sermos, de facto, colegas de trabalho e estarmos, de facto, a ser liderados?
o vírus tem tendência a alojar-se, primeiro, na garganta e, depois, no peito
Nas relações amorosas, por exemplo: quem nunca engoliu um porco-espinho por incompetência comunicacional por parte da outra parte – ou das duas? Há pelas terras da internet e pelos mares da academia algumas opiniões e alguns estudos científicos a alertar para a propagação do vírus Comunicação 0 entre os casais. Dizem as opiniões e os estudos que o vírus tem tendência a alojar-se, primeiro, na garganta e, depois, num estado mais avançado, no peito. Quando alojado nessa última região, nasce o principal sintoma: muita azia. Mas pergunto-me: não seria já um grande alívio à vida contemporânea convivermos em honestidade com a outra peça da engrenagem (ou com as outras peças, quando num cenário de poliamor)?
No contexto doméstico, por exemplo: quem nunca engoliu um chihuahua por incompetência comunicacional de um familiar? É certo que na intimidade de um lar acontecem muitas intimidações. Enquanto membros VIP de um grupo (ou “agregado” como lhe chamam os serviços do Estado), temos receio de sermos julgados pelos nossos desejos, ambições e condições. Tememos o julgamento dos que tanto espaço ocupam nos nossos corações. Mas pergunto-me: não seria já um grande alívio à vida contemporânea coabitarmos em desassombro com os do nosso lar?
São três os motivos que obstruem o canal da comunicação: negligência, inércia e medo.
Bora falar.