Texto e Fotografia: Sérgio Miguel Santos Silva
Há uns dias vi um pequeno graffiti que dizia “pretos fora”. Costumo estar atento ao que dizem as paredes. As paredes podem ser poéticas, enigmáticas, cómicas, dogmáticas, propagandistas ou provocadoras. Mas também podem ser tontas, patéticas, insignificantes. E uma boa parte das paredes só diz merda. Era o caso. As paredes são muito parecidas com as pessoas.
Eu disse que costumo ouvir as paredes, mas não é meu hábito responder-lhes
Almocei pela mesma altura com uma pessoa que disse que a questão dos refugiados era uma moda e que, por vontade dessa mesma pessoa, não vinha para cá nenhum. Eu não disse nada. Eu disse que costumo ouvir as paredes, mas não é meu hábito responder-lhes.
Poucos dias depois a mesma parede dizia outra coisa. À mensagem anterior, numa letra ligeiramente diferente que acrescentava diversidade, tinha-se acrescentado “de série”. Não só a parede tinha mudado de letra – talvez estivesse com mais pressa ou mais vagar -, como tinha mudado de opinião. “Pretos fora de série”. A mensagem era agora muito mais redonda e afável. Talvez tivesse acordado mal disposta no outro dia e depois decidido emendar a mão. As paredes são muito parecidas com as pessoas.
Naquele almoço de uns dias antes em que a conversa, sem eu saber muito bem como, foi dar ao tema dos refugiados, foi acrescentado ao argumento contra a sua presença neste paraíso à beira mar plantado que “estiveram cá uns durante dois anos e depois foram embora”. Para a Alemanha ou assim. Alguém respondeu, carregadinho de lógica, que se até os portugueses se vão embora porque haveríamos de criticar refugiados que procuram outras paragens? Não houve resposta a esta pergunta. As paredes não são fortes em lógica.
As paredes não são fortes em lógica
Talvez uma semana depois disto, verifiquei que a parede tinha mudado novamente o discurso. Havia agora uma faixa laranja de altura e comprimento apenas suficientes para tapar a palavra “pretos”, deixando “fora” como a única palavra original, e o tal acrescento “de série”. Desta vez a mensagem não tinha melhorado ou arredondado. Escondia a primeira, retirava o sentido à segunda, e “Laranjas fora de série” era agora uma uma mensagem indecifrável para mim. Teria a ver com censura? Teria a ver com cores? Teria a ver com fruta? Teria a ver com um partido político? Com todas as anteriores? Com outras coisas? Não sei. Eu nunca percebi bem o pós-modernismo. Nem as pessoas. Já vos disse que as paredes são muito parecidas com as pessoas?