Viagem pela História do Real Edifício de Mafra

 

Fotografia: Marce Redondo/Cinco Días

 

Faz amanhã uma semana que o Real Edifício de Mafra se encontra inscrito na lista do Património Mundial da UNESCO.

Formado pelo Palácio que cerca a Basílica (cujo frontispício axial une os Paços do Rei e da Rainha), um Convento, o Jardim do Cerco e a Tapada Nacional, esta constitui uma das mais magníficas obras de D. João V “O Magnânimo” (cognome do monarca absolutista), que dispôs de privilegiadas condições culturais e económicas para ombrear com as restantes monarquias europeias na edificação desta referência do Barroco internacional.

Desde a escolha do arquitecto Johann Friedrich Ludwig (Ludovice – formado em Roma) que este projecto se instituiu como uma afirmação internacional da casa reinante portuguesa. O contínuo fascínio que o monarca sentiu por Roma levou-o a contratar importantes artistas para Mafra, que assim se transformaria num dos mais relevantes locais do Barroco italiano fora de Itália.

Em jeito de celebração, deixamos aqui uma breve cronologia do Edifício Real que é Património Mundial. Longe de pretendermos desenhar uma viagem histórica exaustiva, destacamos algumas datas e efemérides incontornáveis.

Palácio Nacional de Mafra – ph. DR

PALÁCIO | BASÍLICA | CONVENTO

  • As primeiras linhas do Real Edifício de Mafra surgiram duma promessa do rei D. João V, que jurou erguer o monumento caso obtivesse sucessão do seu casamento com a rainha D. Maria Ana de Áustria, o que se concretizaria em 1711, ano do nascimento da princesa Maria Bárbara.
  • Projectada pelo alemão Johann Friedrich Ludwig, de escola italiana, a construção da obra central do reinado de D. João V iniciou-se a 17 de Novembro de 1717 e por ela passou a mão-de-obra de 52 mil trabalhadores.

foi inicialmente esboçado como um Convento para apenas 13 frades

  • A sagração da Basílica deu-se a 22 de Outubro de 1730. No dia do 41º aniversário do rei o conjunto ainda não estava concluído, nem todas as obras de arte haviam chegado, mas há muito que o plano estava delineado: um Palácio Real dotado de dois torreões que, funcionando independentemente, eram as câmaras do casal régio; uma Basílica decorada com estátuas dos melhores artistas romanos e com um conjunto inusitado de paramentaria francesa e italiana sem paralelo no país; duas torres na fachada que albergam dois carrilhões mandados construir na Flandres e que constituem um património sineiro único no mundo; uma Biblioteca constituída por obras de grande interesse científico e das poucas que previam a incorporação de “livros proibidos”, bem como um acervo bibliográfico dos séculos XV ao XIX.
  • As obras prolongaram-se até meados de 1737, dando lugar a um imponente Palácio. Foi inicialmente esboçado como um Convento para apenas 13 frades, mas com o ouro do Brasil a entrar nos cofres nacionais o monumento acabou por se tornar num imenso edifício com todas as dependências e pertences necessários à vida quotidiana tanto da corte como de 300 frades da Ordem de S. Francisco.
  • Os dois carrilhões, com um total de 98 sinos, constituem o maior conjunto sineiro do século XVIII, a que se juntam os seis magistrais órgãos instalados na Basílica.

  • Após D. João V falecer em 1750 assistiu-se a uma série de diferentes vivências no monumento ao longo do período monárquico. D. Maria I abriu-o às celebrações religiosas. O seu sucessor, D. João VI, instalou a corte no Palácio-Convento entre 1806 e 1807 – ano em que partiu para o exílio no Brasil após as Invasões de Napoleão Bonaparte. Em Dezembro de 1807, as tropas francesas ocuparam o Palácio, sendo alguns meses depois substituídas por uma pequena fracção do exército inglês que aqui permaneceu até Março de 1828. Após o conturbado período das Lutas Liberais, o Palácio de Mafra tornou-se lugar de escape e tranquilidade para as famílias reais, de D. Maria II a D. Manuel II.
  • O Convento foi incorporado na Fazenda Nacional quando da extinção das ordens religiosas em Portugal, a 30 de Maio de 1834 e, desde 1841 até aos nossos dias, foi sucessivamente ocupado por diversos regimentos militares, sendo actualmente sede da Escola das Armas.

o último rei de Portugal passou a derradeira noite no Paço Real de 4 para 5 de Outubro de 1910

  • D. Manuel II, último rei de Portugal, passa a derradeira noite no Paço Real de 4 para 5 de Outubro de 1910 antes de embarcar para o exílio em Inglaterra, com passagem inicial por Gibraltar após a Instauração da República.
  • Decretado Monumento Nacional pelo Decreto de 10 de Janeiro de 1907 e pelo Decreto de 16 de Junho de 1910, o Paço Real é transformado em museu, abrindo logo em 1911 com a designação de Palácio Nacional de Mafra, que mantém até hoje.
  • Em Outubro de 1982 é publicado o “Memorial do Convento”, romance de José Saramago, que viria a ser agraciado com o Prémio Nobel da Literatura em 1998, sendo até hoje o único escritor português laureado pela Academia Sueca – a obra tem como pano de fundo a construção do Convento, personagem principal deste livro de referência.

  • Entre 17 de Novembro de 2016 e 17 de Novembro de 2017 é celebrado o tricentenário do Palácio Nacional de Mafra
  • A 26 de Janeiro de 2017 é entregue o dossier com a proposta para a inscrição do Real Edifício de Mafra na lista do Património Mundial da UNESCO
  • A 7 de Julho de 2019 dá-se a inscrição na lista de Património Mundial da UNESCO.

JARDIM DO CERCO

  • Criado em 1718 por D. João V, este local é a transição perfeita entre a vastidão murada da Tapada e a monumentalidade do Palácio, com oito hectares constituídos por bosque e jardins.
  • O Jardim do Cerco começou por ser a cerca conventual à disposição dos frades, mas logo em 1718 D. João V mandou ali plantar todo o género de árvores silvestres. O conjunto alberga um grande lago central, para onde confluem águas da Tapada, e um poço anexo associado a uma gigantesca nora.
  • D. João V inspirou-se em Versalhes para criar uma geometria na disposição dos arruamentos da zona do bosque, que obedece às concepções estéticas do barroco, seguindo o eixo criado no jardim francês. As ruas estão dispostas em simetria com o edifício do Convento, cujo eixo central se prolonga através da mata, denunciando a preocupação de representar os principais eixos geométricos do Monumento no exterior.

a transição perfeita entre a vastidão murada da Tapada e a monumentalidade do Palácio

  • Também ali se conserva um curioso Jogo da Bola, mandado construir pelos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, quando estes ocuparam o Convento entre 1771 e 1792.
  • Até à extinção das Ordens Religiosas, o Jardim do Cerco foi utilizado pelas congregações que residiram no Convento de Mafra. Em 1834 o Jardim do Cerco passa a pertencer à Casa Real, que detém igualmente a posse do Palácio e Tapada, até à instauração da República.
  • Entre 1910 e 1924 o Jardim, já de portas abertas ao público, está sob administração do Palácio Nacional de Mafra, sendo depois cedido à Escola Prática de Infantaria. A partir de 1947 fica sob jurisdição da Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas. Desde 1994 é gerido pela Câmara Municipal de Mafra.

TAPADA NACIONAL DE MAFRA

  • A Real Tapada de Mafra (hoje designada Tapada Nacional de Mafra) foi criada em 1747 com o objectivo de proporcionar um adequado envolvimento ao Monumento, de constituir um espaço de caça e entretenimento para o Rei e a sua corte e ainda de fornecer lenha e outros produtos ao Convento.
  • Com uma área de 1200 hectares, a Real Tapada de Mafra era rodeada por um muro de alvenaria de pedra e cal, com uma extensão de 21 Km. A Tapada foi dividida em três partes separadas por dois muros construídos em 1828, estando actualmente a primeira, com 360 hectares, sob administração militar.
  • Desde o Século XVIII até à Implantação da República, a Real Tapada de Mafra foi local privilegiado de lazer e de caça dos monarcas portugueses, sendo contudo, nos reinados de D. Luís (1861-1899) e de D. Carlos (1899-1908) que a Tapada conheceu o seu período áureo como parque de caça.
  • Com a implantação da República passou a designar-se Tapada Nacional de Mafra (TNM), sendo utilizada fundamentalmente para o exercício da caça e para actos protocolares.

Hoje é um espaço vocacionado para a gestão florestal, cinegética, ambiental e turística

  • A partir de 1941 foi submetida ao regime florestal total, sob tutela da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, passando a ser gerida numa perspectiva mais ambiental.
  • Em 1993 foi concessionada à Empresa Nacional de Desenvolvimento Agrícola e Cinegético (ENDAC), uma sociedade de capital exclusivamente público na dependência do Ministério da Agricultura.
  • A partir de 1998 é criada uma Cooperativa de Interesse Público para aproveitamento dos recursos da TNM, com o Estado a deter posição maioritária no seu capital social, em parceria com a Câmara Municipal de Mafra e entidades privadas.
  • Hoje, é um espaço vocacionado para a gestão florestal, cinegética, ambiental e turística, possuindo uma grande diversidade de espécies animais e vegetais, sendo uma área de acesso pago. No seu interior subsistem quatro fortes das Linhas de Torres, um dos quais já restaurado (Forte do Juncal), que ligam este espaço ao conflito europeu conhecido por Guerras Napoleónicas.