Senhor «Ouriço», o bolo

 

Texto e fotografia: Filipa Teles Carvalho

 

Há os «Esquecidos», os «Mulatos de Torres» e, na Ericeira, os… «Ouriços.» Falamos de doces regionais e, neste caso, dos Ouriços da Ericeira.

Manuel J. Gandra em «Sabores, Cheiros e Comeres Regionais de Mafra» descreve estes últimos como «especialidade de fabrico particular na Ericeira». Na obra «Ericeira, Cultura Gastronómica» variam os nomes destas doçarias, de acordo com a casa que os comercializa. No livro explica-se que, conforme o que se sabe “de boca em boca”, começaram a ser produzidos na Casa das Cavacas, no princípio do sec. XX.

Tudo terá começado pelos «Xiquinhos» – comercializados pelo desaparecido «Café Xico» e os «Eiriços» –, que viriam a começar uma série de variantes, de casa em casa, até aos que se decide, diferenças e receitas à parte, chamar de «Ouriços».

Cada casa que os fabrica e vende na Ericeira tem os seus próprios segredos, doses de ovos, açúcar e gemas e coloca as suas exactas medidas de amor e arte na “alquimia” da doçura.

Após a receita base, cada um vai fazendo as suas variações, mais ou menos cobertura, mais ou menos amêndoa, mais claro ou mais “moreno”, enfim, há um bolo «Ouriço» mas, simultaneamente, Ouriços para todos os gostos.

Dois estabelecimentos foram escolhidos (mais ao menos) ao acaso.

No café Salvador, a leveza impera a simpatia acompanha. Uma simpatia que é profissionalismo, que alimenta também e não é pouco, a alma de uma pessoa.

No café Salvador, a leveza impera e a simpatia acompanha. Uma simpatia que é profissionalismo e que alimenta também a alma.

Aqui o «Ouriço» é suave (todos são bastante doces), tudo se derrete na boca. Leveza e doçura são palavras justas para uma receita de fabrico próprio que esta geração herdou das que a precederam.

Miguel Esteves Cardoso registou, numa crónica do Jornal Público, a amizade e os Ouriços da Ericeira, estes da Pastelaria Gama: «(…) pedimos quatro ouriços e quatro cafés. Fomos amplamente recompensados. Os cafés, bem tirados, deliciaram-nos. Os ouriços souberam a bolinhos de uma avó que nunca se teve. São pequenos mas um chega perfeitamente: comem-se à dentada, soltando fumo e sorte e gratidão.»

Para os pouco doceiros vai bem com café amargo. Digamos que é uma excelente combinação para quando a vida pede um doce e queremos dizer não a alimentos processados.

O «Ouriço», este segundo comprado na «Casa Fernanda», tem uma textura quase crocante, chegou quente e vibrava de cores e possivelmente calorias (não sujeitas a medição). A simpatia também esteve presente.

O «Ouriço» comprado na «Casa da Fernanda» tem uma textura quase crocante, chegou quente e vibrava de cores e possivelmente calorias (não sujeitas a medição). A simpatia também esteve presente.

Antes de cumprir o seu destino – ser deglutido –, este Ouriço ainda viu o mar, ali tão perto.

Impossível dizer qual é o melhor, exactamente porque são diferentes. Algumas pessoas irão preferir uns «Ouriços» a outros porque se existe singularidade é na Natureza, da qual fazem parte as pessoas e as suas preferências.

Há mais do que estas pastelarias a servi-los e cada um pode encontrar o seu preferido, se assim o desejar.

Receita Ouriços bolo - ph. Filipa Teles Carvalho

O açúcar não é amigo, dizem os médicos. Mas entre um ouriço quentinho, feito na hora, e qualquer outra coisa com conservantes e plástico à volta, com açúcar também, não haverá, certamente, comparação.

Navegadores com colesterol elevado ou outros cuidados: atenção à cor da bandeira e às orientações do banheiro nesta “praia”.

O «Ouriço» é bicho e bolo, para já. Quem sabe o que mais será?

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