«Se não existirem ajudas do Governo, o Ouriço pode vir a encerrar»

 

Texto: Ricardo Miguel Vieira e Hugo Rocha Pereira | Fotografia: AZUL

 

“Primeiros a fechar, últimos a abrir”. É este o lamento de revolta da indústria dos bares e discotecas portuguesas que se tem escutado em meses recentes. O sector foi dos primeiros a ver a sua actividade suspensa, em meados de Março, por força das medidas de restrição decretadas pelo Governo devido à pandemia de Covid-19. Mas seis meses mais tarde, e com a grande maioria dos estabelecimentos públicos de regresso à actividade com novas regras, o futuro das discotecas permanece mergulhado num enorme manto de incerteza, sem previsão para uma reabertura total e dentro da normalidade possível.

Ao encerramento forçado nos meses mais críticos de controlo à transmissão do novo coronavírus seguiu-se a autorização de reabertura dos espaços de diversão nocturna em condições que desafiam a própria natureza deste negócio: ou seja, com os bares e discotecas adaptados a um funcionamento semelhante ao dos restaurantes e cafés, com serviço de refeições, mas mantendo as pistas-de-dança interditas ao público. A medida não agradou ao sector, o que levou muitos destes estabelecimentos a manterem-se encerrados. É o caso da discoteca Ouriço, a mais antiga do país, que hoje mesmo assinala os seus 60 anos de actividade.

Com as portas da discoteca jagoza fechadas, os locais e visitantes da vila não são indiferentes à ausência da animação e vivacidade deste espaço único na vila, sobretudo em época de aniversário redondo. Foi precisamente com a efeméride em mente, e num cenário de pandemia sem precedentes a nível global, que a AZUL conversou com Miguel e Luís Duarte, irmãos de 45 e 51 anos, respectivamente, que lideram desde 1996 os destinos desta icónica discoteca. Uma conversa que serve de balanço a meio ano de inactividade e que procura traçar as expectativas possíveis sobre o futuro do estabelecimento em vésperas de o país regressar ao estado de contingência a 15 de Setembro, adensando assim ainda mais as tremendas dificuldades que o sector atravessa.

A discoteca Ouriço faz hoje 60 anos. Com tudo o que se tem passado em torno da pandemia e do regresso limitado das discotecas à actividade, existe alguma comemoração em agenda?

Não, devido à pandemia e ao encerramento das discotecas não nos é permitido comemorarmos o aniversário este ano – o tema da festa para o próximo ano já está escolhido: 60+1.

 

O encerramento das discotecas foi anunciado pelo primeiro-ministro António Costa a 12 de Março. Foi há quase meio ano e o Verão está próximo de terminar. Que balanço fazem deste período em que as portas do Ouriço permaneceram encerradas?

Fazemos um balanço bastante negativo, uma vez que com as portas fechadas a nossa facturação é zero.

 

Em finais de Julho, o Conselho de Ministros aprovou nova legislação que permitiu a reabertura de discotecas e bares num formato semelhante ao dos restaurantes e cafés, e sem utilização das pistas de dança. No entanto, o espaço da discoteca permanece encerrado. O que motivou esta decisão?

Desde sempre que o Ouriço funcionou como discoteca. Os nossos clientes vêm aqui para dançar, ouvir música e divertirem-se. Se quiserem tomar café e comer um pastel de nata, dirigem-se a estabelecimentos destinados a esse fim. Para além da alteração do negócio envolver muitas despesas, nunca foi nossa ideia o Ouriço deixar de ser discoteca. Para nós essa hipótese não faz sentido.

estamos preparados para abrir como discoteca

Existe alguma previsão para reabrir a discoteca, em respeito pelas normas de distanciamento físico estipuladas pela Direcção-Geral de Saúde (DGS) para estas actividades?

Estamos dispostos a abrir com as normas de distanciamento, mas como discoteca. Poderíamos ter mesas na pista de dança, sendo que os clientes apenas poderiam dançar à volta das mesmas, respeitando assim o distanciamento obrigatório. Para circularem dentro da discoteca, teriam que utilizar sempre as máscaras, cumprindo as orientações da DGS.

 

E na eventualidade de estas poderem regressar à actividade, a discoteca está preparada? Existe um plano de segurança para esse eventualidade?

Estamos preparados para abrir como discoteca, cumprindo as condições de segurança, assim que tal nos for permitido.

 

Que comentário tecem às medidas aprovadas pelo Governo, em consonância com as recomendações da DGS, para os bares e discotecas – primeiro com o seu encerramento ainda na primeira metade de Março e agora com as normas definidas para a actividade?

Concordámos com o encerramento inicial, sendo que até fomos dos primeiros na Ericeira a encerrar, por iniciativa própria, antes de tal ter passado a ser obrigatório. Neste momento pensamos que poderíamos reabrir com alargamento de horário até às quatro da manhã, nas condições que referi anteriormente. Achamos, até, que seria uma forma de ajudar a controlar os ajuntamentos e as festas ilegais que não cumprem as regras da DGS.

Os bares e discotecas foram os primeiros estabelecimentos a encerrar e os últimos a abrir. Sentem que houve uma estigmatização do sector por parte do Governo ao longos destes meses?

Sim, sentimos que fomos lesados em relação a outros tipos de negócios.

 

Em Espanha, duas entidades ligadas ao turismo e actividades de lazer e entretenimento propuseram ao governo a reabertura das discotecas com um conjunto de normas que inclui a obrigatoriedade do uso de máscara no seu interior, que os clientes lavem as mãos ao entrar e sair da discoteca e que as bebidas sejam servidas com palhinhas descartáveis. Acreditam que medidas deste género podem ser a resposta para o problema?

Acreditamos que essas normas e os procedimentos que referimos anteriormente poderiam fazer com que as discotecas pudessem voltar a funcionar.

 

Entretanto, o bar Ouriço Terrace regressou à actividade. Há quanto tempo se encontra em funcionamento e o que motivou a abertura deste espaço apesar das condicionantes?

Estamos abertos desde que o Governo permitiu a reabertura das esplanadas, em Junho, mas apenas a partir de Agosto com horário até à meia noite e com comida.

não podemos comparar os dois tipos de negócios

E como tem sido a afluência desde a abertura? Tem tido mais clientes portugueses ou estrangeiros?

Temos tido clientes de todos os tipos, sendo que notamos uma quebra no que toca aos estrangeiros, principalmente.

 

O Ouriço Terrace tem ajudado a colmatar as perdas com o encerramento da discoteca?

Não, de forma alguma. Não podemos comparar os dois tipos de negócios: sempre tivemos a esplanada Ouriço Terrace a funcionar e a facturar de forma distinta da discoteca.

 

E este terá um horário de funcionamento adaptado ao Inverno ou planeiam encerrar após o Verão?

Pretendemos manter a esplanada aberta sempre que o clima o permita e com adaptações para o Inverno, como por exemplo aquecedores de rua, etc.

No que à facturação diz respeito, quanto estimam que será a quebra nas receitas da discoteca este ano?

As receitas foram praticamente zero, uma vez que apenas estivemos em funcionamento nos dois primeiros meses do ano, sendo que Janeiro e Fevereiro são tradicionalmente dois meses mais fracos em termos de facturação.

 

Quantas pessoas emprega actualmente a discoteca Ouriço, directa e indirectamente? E houve a necessidade de dispensar trabalhadores ou de recorrer ao regime layoff?

Temos em média cinco prestadores de serviços na discoteca Ouriço. Não entrámos em regime de layoff por apenas trabalharmos com trabalhadores independentes.

 

Nesta altura, existe o risco da discoteca Ouriço encerrar permanentemente?

Queremos acreditar que não, mas se não existirem ajudas por parte do Governo a este sector, tal pode mesmo vir, infelizmente, a acontecer.

o Ouriço é um ícone cultural que já faz parte da tradição ericeirense

O sector do turismo alimentava fortes expectativas para 2020. A previsão era de que seria o melhor ano de sempre para o sector. Esta expectativa era partilhada pelo Ouriço antes da pandemia?

Sim, sem dúvida alguma.

 

Tratando-se da discoteca mais antiga do país, o Ouriço é indiscutivelmente uma forte atracção turística da Ericeira, que nos últimos anos tem assistido a um crescimento exponencial de visitantes. De que modo sentem que o Ouriço contribui para atrair visitantes à vila e dinamizar a economia local?

Contribui bastante. É com muito trabalho, dedicação e orgulho que podemos afirmar que o Ouriço sempre funcionou bem e não apenas como discoteca ou espaço de diversão nocturna. É também um ícone cultural que já faz parte da tradição ericeirense, por exemplo, pelas emblemáticas fachadas, cujas pinturas são alteradas todos os anos – o que atrai o olhar de muitos turistas e ajuda a divulgar a Ericeira pelo mundo. E por esta altura do ano, várias pessoas viriam de fora da Ericeira apenas para participarem na festa de aniversário do Ouriço.

 

Na vossa opinião, os efeitos da pandemia na economia local podem representar um retrocesso para Ericeira no que ao turismo diz respeito?

Apenas o futuro o dirá… vamos ver como se desenrolará esta pandemia.

A Câmara Municipal de Mafra prestou algum tipo de apoio ao Ouriço durante este período de incerteza?

Dentro das limitações das suas competências, a Câmara Municipal de Mafra prestou-nos o apoio que lhe foi possível.

 

No meio de toda a incerteza que ainda se vive – e da potencial segunda vaga da pandemia no período de Inverno –, consegue traçar o futuro da discoteca Ouriço a curto prazo? Têm esperança de que no próximo ano a actividade possa ser retomada em pleno?

A esperança é a última a morrer! Pelo bem de todos, esperemos que muito em breve tudo possa voltar à normalidade.

 

Há proprietários de discotecas que admitem não reabrir portas até que esteja disponível uma vacina para a Covid-19. É uma posição que ponderam?

Não, desde que todas as condições previstas pela Direcção Geral de Saúde estejam reunidas, tal como já referimos, pensamos que poderemos reabrir.