Texto: Hugo Rocha Pereira | Fotografia: Ericeira Surf Clube
“Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor / Mas pela vastidão da alma”
Adelina Barradas de Oliveira
Se o Bodyboard é considerado um desporto underground, como podemos encarar o papel nele desempenhado pelas mulheres? Além do aspecto essencial para ambos os sexos, que é curtir umas ondas, claro…
Um amigo jornalista disse-me, quando fui cobrir o Nazaré Special Edition para a Vert, que o Bodyboard (ou BB, para abreviar) é muito mais Punk do que o Surf – e esta afirmação faz todo o sentido, seja pela atitude “atirada” como pelo espírito do it yourself fomentado pelo crónico défice de investimento… e quando não temos a “papinha toda feita”, resta-nos colocar mãos à obra com arte e engenho.
as mulheres constituem enormes exemplos de superação que nos devem inspirar enquanto comunidade
Ora, se o BB é Punk, as bodyboarders serão autênticas Anarchicks – que a banda portuguesa me perdoe esta roubalheira descarada! Numa sociedade ainda vincadamente patriarcal, nem o desporto nem os lineups constituem excepções, assistindo-se a um domínio generalizado por parte dos homens. E mesmo numa época em que a igualdade de género constitui palavra de ordem, tal como os bodyboarders têm de despender o dobro do esforço dos surfistas para atingirem o reconhecimento que permite a profissionalização ou a obtenção de patrocínios, também as respectivas praticantes precisam de furar muitas mais ondas para conquistarem a oportunidade de apanhar a “rainha” da sessão num dia clássico. Sejamos claros e justos: as dificuldades para as mulheres bodyboarders (sejam elas competidoras ou free surfers) são invariavelmente maiores, dentro e fora de água, e elas revelam-se autênticas guerreiras em ambos os meios.
Daí que devamos encarar as atletas femininas com o máximo apreço e prestar o devido tributo às suas referências, sejam elas lusas ou internacionais: das brasileiras que têm dominado o desporto (quem não guarda no imaginário nomes como Stephanie Pettersen ou Glenda Kozlowski, cujas imagens preencheram tantas páginas da mítica Fluir Bodyboard?!) às portuguesas, que têm erguido bem alto a bandeira do nosso país, passando pelo fenómeno verificado no País do Sol Nascente – no Japão, onde será mesmo assumido que o Surf é para homens e o BB para mulheres, elas constituem uma das maiores potências mundiais.
As pioneiras desempenharam um papel tão relevante que o BB chegou a ser conotado, a nível global, com uma actividade “para elas” – em Portugal, uma campeã como Dora Gomes (a primeira profissional deste país à beira-mar plantado acumulou 6 títulos nacionais, 4 europeus e um mundial) até teve alguns patrocínios exclusivamente femininos, como marcas de tampões higiénicos… E actualmente existem mulheres com um nível técnico que supera largamente os sonhos mais ousados da maioria (vem-me logo à cabeça o exemplo de Isabela Sousa, mas há outras que se destacam a deslizar na superfície aquática e a invadir o espaço aéreo) ou que encaram ondas de reais consequências com uma atitude destemida, demonstrando como a testosterona não explica de onde vem a coragem – veja-se como a chilena Valentina Diaz conjuga beleza e raça de forma ímpar. E no nosso país também temos casos destes, como Joana Schenker: a campeã mundial de 2017 já protagonizou capas de revistas em produções de fazer inveja a muitas manequins internacionais.
Tentando responder à pergunta inicial, grosso modo o papel das mulheres no Bodyboard é em tudo semelhante ao dos homens, embora aquelas se deparem com muitas mais barreiras pelo caminho. Não podemos reduzir todos os seus contributos apenas a uma palavra ou conceito, mas penso que elas constituem enormes exemplos de superação – física e mental – que nos devem inspirar a todos enquanto comunidade. Apenas dois casos ilustrativos: elas dão grandes lições de profissionalismo aos homens e encontros femininos como os promovidos pelas Boogie Chicks difundem o desporto e fortalecem laços entre praticantes.
Infelizmente, e apesar de tudo o que ficou escrito nestas linhas, as bodyboarders continuam a ser uma minoria dentro de água. Quando partilharem o lineup com elas não ensaiem voltas ao pico nem as dropinem – mostrem respeito e incentivem-nas, elas merecem isso e muito mais!
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