Fotografia: DR
Julie Faustino é uma bodyboarder conhecida entre a comunidade das ondas ericeirense. É também a responsável pelo serviço personalizado de babbysitting Nannyon. O testemunho que aqui publicamos apresenta a ligação existente entre o desporto pela qual é apaixonada e a empresa que fundou. As linhas que se seguem contêm um poderoso exemplo de superação e emancipação no feminino, mostrando como as linhas desenhadas pelas ondas podem fornecer energia para enfrentar as curvas e contra-curvas da vida.
Vocês primeiro. A vossa felicidade primeiro
“Eis a minha história com o Bodyboard. Sou uma humilde praticante, não tenho muitas skills, logo vamos esquecer a competição mas gosto de treinar e simplesmente não desisto.
Para mim bodyboard é liberdade, é adrenalina, é pura diversão… É felicidade, paz e equilíbrio… É o único prazer que coloco na agenda e que não custa nada ir cumprir…
Quando era miúda costumava ir à Foz do Arelho com o meu priminho Rafael Faustino e passávamos horas dentro de água, as pranchas que usávamos eram mesmo aquelas feiosas de esferovite, esponja esquisita, sem pés-de-pato e a enfiar-nos nas correntes… era pura diversão.
Nos anos 90 era adolescente e trabalhava nos negócios da família non-stop… conclusão: praia nada ou muito pouco… mas quando era possível lá íamos à Foz do Arelho ou Nazaré curtir as ondas.
Comprava revistas da Surf Europe às toneladas que folheava e sonhava um dia fazer Bodyboard…até liguei para Saint Jean de Luz para me enviarem uma prancha da Manta mas nunca se concretizou. A vida foi passando… sem concretizar o meu sonho… até que aos 33 anos fiz a minha primeira sessão de treino estruturado de Bodyboard. Foi épico…
Quando o meu filho tinha um ano e meio comecei a sério a treinar e dedicar-me ao Bodyboard. Nunca me esqueci da logística associada: Enzo no porta-bebé à frente; mochila às costas com fato e barbatos, prancha de lado e saco dos brinquedos e tenda do outro lado. Estão a ver o filme não estão? Ele ficava aos cuidados de uma colega minha na praia… E com isso surgiu a ideia de criar a minha empresa de serviços à família para dar resposta às mães que queriam surfar e que não tinham ninguém por perto para as ajudar. Não iria abdicar do meu sonho porque era mãe… nem pensar..então montei uma empresa para mim e para todas as mães e pais que precisam de momentos de liberdade e de pausa… A minha primeira cliente russa com dois filhos estava tão feliz por poder ir surfar sabendo que havia alguém de confiança a dois passos da água.
A minha primeira prancha foi uma VS 41′ pp modelo Joe Clarke – coisa mais linda… era o meu tapete de liberdade total… como eu amava a minha prancha até um casal de séniores ma roubar. Isso mesmo, fui acudir um amigo e os senhores fizeram o favor de a colocar na mala do Mercedes Benz…. De momento deve estar a surfar couves e batatas… Foi um desgosto e uma perda terrível. Agora deslizo pela Ericeira e por Peniche com uma NMD Parabolic e uma VS Jared Houston.
Obstáculos foram muitos daqueles de ouvido… Ouvi muitos comentários parvos redutores, sexistas porque era mãe, porque era miúda, porque tinha responsabilidades, Blá Blá Blá. A questão é que quando, supostamente, tinha mais tempo e liberdade, era jovem e a trabalhar… não tinha voto na matéria, zero liberdade.
Agora é mesmo como eu quero. Quero ir surfar, vou. Não tenho com quem deixar o miúdo, reservo a ama. Preciso de um fato ou material técnico, posso comprar. Surf trip é uma por ano, raramente sozinha mas se tiver que ser, tenho a prancha e o mar…
Quero deixar um agradecimento ao meu mentor e amigo Óscar Mansura, muito dedicado e paciente, sempre a estimular e a colocar-me nos limites… Nunca desistiu nem desiste em melhorar a minha prática. É um querido porque escolhe sempre o mar picado para irmos fazer aqueles drops lixados. Não poderia esquecer o meu amigo Ricardo Ornelas Fontinha, que me atura dentro de água e que alinha sempre para ir curtir as ondas, e o meu querido priminho que continua a acompanhar-me apesar de termos uma grande diferença de idades e vivermos longe um do outro…
Para todas as jovens e mulheres que querem fazer bodyboard, bora lá… Sem medos… Se eu consegui, vocês também. Há sempre maneira de dar volta à vida. Há sempre soluções.
Vocês primeiro. A vossa felicidade primeiro.
Vão ver que o bodyboard, as ondas e o mar são libertadores. Não há melhor do que isso! Coragem e arrisquem… Basta sair da zona de conforto. Tenho a certeza que vão conseguir e adorar.”