Texto e fotografia: Filipa Teles Carvalho
«Só fui nascer a Lisboa», diz quem é de cá e o manifesta com energia e muita cor.
Na Ericeira, por detrás de flores e corações, âncoras e outros símbolos de areia e sal, por detrás de muitas das criações artísticas feitas na época das festas, estão as mãos, a imaginação e a vontade de António Pedro Brites.
Nasce a 1 de Abril de 1990, para hoje se apresentar em movimento, de olhos postos na cor, juventude acompanhada pela vitalidade, vontade de fazer acontecer e mostrar a beleza da sua terra.
Gosta de ir a outros lugares beber influências e apreciar. Mas, cá chegado, sente vontade de deixar a Ericeira ainda mais bonita e pôr literalmente «as mãos na massa».
Os desenhos vêm da minha imaginação
Inspirado por Viana do Castelo e com uma natural vocação artística, surge a ideia de criar tapetes de areia e sal junto à capela, na Rua de Santo António. Diferentes. Com alma de Ericeira.
Juntamente com um grupo de pessoas tentou fazer «alguma coisa de diferente pela festa». E conseguiu.
No primeiro ano, com menos gente, a “equipa”foi crescendo e, com o seu impulso, cresceu também o tapete e a vontade de o ver.
«Pensei: vou tentar e vamos ver como fica. E no ano a seguir as pessoas já estavam a perguntar porque é que não fazíamos mais uns metros e com mais coisas, e eu vi que havia uma adesão grande. Tanto que nós comprávamos o sal e chegou a um ponto que eu já tinha as pessoas a oferecê-lo. Foi muito bom».
Pedro Brites, como prefere ser chamado, já tinha visto tapetes de flores em serradura e sal nas festas de Viana. Aqui, felizmente voltou a pensar: «temos tanta areia… podem-se aplicar os desenhos, fazendo sobressair as cores». E o trabalho seguiu sob a sua direcção criativa, em colaboração com gente que quis ajudar.
E os desenhos, vêm de onde? – pergunto.
«Os desenhos vêm da minha imaginação».
Sempre gostou, desde pequeno, de desenhar, colorir e pintar. Concretizar é palavra que lhe assenta que nem uma luva, embora reconheça que precisa muito da ajuda das pessoas, que sozinho a rua seria infinitamente menor.
O trabalho demora uma noite inteira, levado a cabo por um conjunto de pessoas, para ser visto durante cerca de quatro horas apenas.
Pedro faz primeiro «um boneco» na sua cabeça e depois visualiza. Passa em seguida para papel – necessitará de explicar às pessoas que o vão apoiar o que pretende fazer.
Conta que chegou a ter cerca de 15 baldes com várias cores e tonalidades. Assim começa a pintar «um mundo numa rua» com ajuda de moldes, qual comandante – em conjunto com a equipa que se lhe junta.
Foi-se aperfeiçoando, ao longo do tempo. De início «não fazia a mínima ideia de como se tingia sal».
O ingrediente foi escolhido «por causa do mar» e porque, sendo branco, dá para tingir de todas as cores. Já tinha visto ser utilizado e arriscou por cá, depois das devidas investigações.
«Flores nunca dava porque a nossa terra é ventosa. A areia é uma coisa que é nossa e eu nunca tinha visto como é que ficava. Cheguei a tingir cento e tal quilos de sal sozinho».
O ideal é fazê-lo com uma betoneira mas, à falta de melhor, há baldes e há mãos e há, sobretudo, muita vontade de ver acontecer. A cor, as cores, as formas. Um tapete sempre único.
Na areia, o facto de ser tão efémero torna tudo mais marcante. Muitas horas de trabalho para cerca de quatro de exposição.
«Chega a uma altura em que já estamos tão cansados, mas não vamos deixar o trabalho a meio…isso seria impensável».
Como memória do que pode ser gratificante, Pedro Brites recorda uma senhora que estaria de férias e a filha tinha-lhe dito que tinha de ir ver uma coisa muito bonita. «Aquilo é só uma rua», desabafa a sorrir Pedro Brites. «A senhora viu-me e disse: “a minha filha tinha razão, está aqui um trabalho muito bonito, lindo.” Faz-nos sentir grandes, mas ao mesmo tempo pequeninos, as pessoas virem para ver uma coisa que tem meia dúzia de anos. As pessoas de fora parece que valorizam mais. Talvez seja apenas falta de comunicação.»
Nunca esmorece? Sim, confessa. «Porque chega a um ponto em que se fecha a porta da capela e todos vão para as suas casas e não fica lá ninguém. Ficamos nós, um pouco sozinhos, porque passam pessoas muitas vezes já embriagadas e nem temos apoio da GNR, estamos ali a ‘lutar’ sozinhos para fazer uma coisa bonita, como voluntários. É complicado, estamos a fazer um trabalho onde, se outros passam, estragam. Depois temos que ser nós a chatearmo-nos com as pessoas? Não faz sentido. Aquilo é para todos. A responsabilidade não tem que ser nossa; já estamos a dar o nosso trabalho. É muito complicado.»
Este é um ritual que já se repete há cinco anos durante a festa da Nossa Senhora da Boa Viagem e era também para acontecer na Nossa Senhora da Nazaré, mas a presença dos cavalos e o “mar de gente” transformou a contribuição artística de Pedro em algo diferente: a decoração da rotunda e da rua principal de entrada na vila, junto ao miradouro.
Arranjou um grupo de trabalho e durante meses fizeram flores destinadas às muitas peças que viriam a construir.
A Arte é expressão. A Arte é a maneira das pessoas se expressarem no mundo. Colorirem a vida. É o sonho, é o horizonte. É o mais além…
«Reuníamos e as pessoas trabalhavam em casa. Só bastante tempo depois trouxemos as peças. Realizadas com «muito trabalho, amor e espírito de sacrifício».
Amargura só existe quando as vê desaparecer por vandalismo, que chegou a presenciar.
A escolha do plástico – que Pedro Brites assegura que se guarda – diz respeito, sobretudo, ao clima, dado a temperamentais chuvas nesta época.
Começaram a trabalhar para criar âncoras, baús e corações, entre outras figuras com flores azuis e brancas. A dada altura faziam «noitadas todos os dias até à festa».
Neste trabalho voluntário «cada um dá o melhor de si». Organizaram-se e, a contas com algumas dificuldades, comoveram-se com a grande adesão das pessoas. «Uma parte de bairrismo muito bonita».
Trazer à vida tradições esquecidas
Em criança vivia no Bairro dos Pescadores, onde todos brincavam na rua e em grande contacto com a Natureza, nos canaviais e com os animais que adorava ao ponto de querer ser veterinário durante muito tempo. Considera que as tradições naquela altura eram muito mais enraizadas. «O meu pai sempre teve um barco, a minha mãe enfeitava-o. Há coisas que eu nunca vou esquecer, como a imagem da procissão dos barcos em criança vista do mar, com todas aquelas velas. Parece lava. São coisas que marcam. Não sei, as pessoas antes eram mais bairristas, havia mais barcos a irem ao mar. E também a poderem ir ao mar».
Nunca pensou que quando crescesse queria ser artista ou criar. Fez o curso de Apoio à Infância e aí também aperfeiçoou técnicas e outros métodos. Os miúdos adoram, claro.
E por que é que a Arte será tão importante, para eles e para nós?
«A Arte é expressão. A Arte é a maneira das pessoas se expressarem no mundo. Colorirem a vida. É o sonho, é o horizonte. É o mais além…».
Ao longo do tempo foi fazendo, foi criando, rumo ao embelezamento que aqui apenas mostramos em alguns recortes e pormenores.
![Pormenor decorações Festa Nª Sra. da Nazaré 2016 - ph. Filipa Teles Carvalho](https://www.ericeiramag.pt/wp-content/uploads/2016/10/DSC03458-1024x671.jpg)
Âncoras e corações feitos de flores com mãos dedicadas, a saudar os visitantes e devotos da Nossa Senhora da Nazaré.
Quanto a ideias para a Ericeira, gostava de montar um rancho folclórico. Que a Ericeira o voltasse a ter. «Já não existe se calhar há uns 17 anos. Eu e uns amigos estamos a falar sobre isso. Mas a burocracia é um pouco assustadora…»
Já existem os trajes e seria um rancho para todos, até porque está certo de que as pessoas que lá andaram têm saudades e iriam aderir. «Desde que o rancho acabou, em termos de identidade a Ericeira ficou mais pobre. Se perdemos a identidade, perdemos a História. Acho que falta união entre as pessoas. Na Senhora da Nazaré houve muita, mas que não se viva só daqui a 17 anos outra vez. Acho que todos deviam trabalhar para o mesmo. Até as crianças sabem isso, não é? Por isso é que nos pedem na escola para trabalhar em grupo».
Falta também, na sua opinião, uma sociedade recreativa com espaço para este tipo de manifestações culturais. Para as guardar, para as treinar, para as mostrar e celebrar.
«Eu tenho ideias e gosto de fazer, mas também dou espaço à criatividade dos outros. É muito gratificante ver trabalhos diferentes.»
Na vida valoriza a paisagem, as coisas naturais, a simplicidade. «Faz falta estar um pouco sozinhos e pensar no sol, no vento, no mar. Acho que é isto que levamos desta vida.»
Aprecia a humildade e o amor e junta-lhes, em flor, o enorme desejo de que não existissem conflitos e que toda a gente trabalhasse para o mesmo.