Texto: Ricardo Miguel Vieira | Fotografia: DR
Em dias de mar bravo, o porto de pesca da Ericeira parece um deserto à beira do oceano. Os barcos estão estacionados e os pescadores que ocupam o tempo fora de água contam-se pelos dedos das mãos. São tantos quanto os habituais compradores de peixe em dia de venda na pequena lota da Ericeira, uma das cinco em todo o país que não fazem parte da lista de investimentos da Docapesca para os próximos dois anos.
“Nenhuma delas é a Ericeira pois não? Já é assim há muitos anos”, ironiza Rogério Santos, 63 anos, ajudante no posto da Ericeira há um ano, mas com uma vida ligada ao mar. “A casa em si é antiga, é muito velha e era bom ter ali outra coisinha melhor. Alargar mais aquilo, é muito pequena.”
A reacção é comum aos pescadores jagozes depois de saberem que a Docapesca vai gastar 10 milhões de euros a recuperar 17 das 22 lotas do país até 2015, e que a Ericeira não é uma delas. O anúncio foi feito no dia 18 de Fevereiro pela ministra da Agricultura e Mar, Assunção Cristas, que adiantou que o investimento será suportado pela Promar, sendo que 75% das verbas provêm de fundos comunitários. Uma das razões apresentadas por Assunção Cristas para o investimento nas lotas foi a valorização dos produtos associada a espaços de qualidade e à existência de certificados de venda em lota.
A fraca utilização do posto de venda da Ericeira, de pequenas dimensões, sem utensílios modernos e ainda protegido por placas de amianto, será a principal razão do desinvestimento, que aumenta o risco de extinsão do espaço. “Às vezes vamos para Peniche porque há mais compradores e, logo, o peixe tem mais valor. Compensa sempre gastar gasolina e ir lá a Peniche”, justifica Eliseu Pereira, 41 anos de idade e 10 de faina.
“A gente nunca está no mapa. Isto é fraco, os barcos são poucos, o peixe é barato e a malta foge com ele para Peniche”, acrescenta Dário Pereira, 57 anos, enquanto remenda covos no interior de um dos cubículos utilizados pelos pescadores na praia com o mesmo nome. “Aqui vende-se bem o peixe, mas a malta para ganhar alguma coisa abala para Peniche. Aqui o polvo custa 2€, lá vende-se ao dobro ou mais.”
A AZUL tentou contactar a Docapesca para obter esclarecimentos, mas não obteve resposta.
OBRAS NO PORTO
Para além da indefinição sobre o futuro da lota, os pescadores reclamam há vários anos a construção de um molhe a sul do porto. Esta infra-estrutura revela-se essencial para proteger o porto de grandes tempestades marítimas e garante aos pescadores a mínima segurança para a prática da actividade.
O mau tempo que assolou o litoral português durante este Inverno encheu o porto da Ericeira de areia e destruiu parte do Clube Naval, situado na praia do Algodio. “Os barcos partiram-se todos, foi um horror. Há aí malta, coitada, que está à rasca, quase há três meses sem ir ao mar, caraças”, revela Dário Pereira, que convive com estas situações na Ericeira há 40 anos.
Os pescadores aguardam com expectativa o futuro da lota, numa região “rica em peixe”, mas com falta de infra-estruturas adequadas à actividade e comércio. Desgastado com as promessas de investimento dos últimos anos, Dário Pereira reflecte o sentimento dos profissionais jagozes. “Nós nunca estamos no mapa.”