Hora de pandemia, tempo de reencontro

 

Fotografia: Nelson Jacinto

 

Começou a soar nos ouvidos da maioria em meados de Dezembro de 2019 um novo vírus baptizado como “coronavírus”.

Houve então, certamente, um pensamento generalizado de que este seria apenas mais um entre tantos outros que ao longo da História da Humanidade nos comprometem a saúde, e a nossa crença inabalável na capacidade cientifica e médica levou a uma calma generalizada antes da tempestade que enfrentamos actualmente. Para tal terá contribuído também algum etnocentrismo, ou seja, como o dito vírus estava apenas na distante China sentimos uma certa segurança face ao acontecimento.

Pairou sobre nós como um fantasma de filme durante dois meses, ganhou o nome científico COVID-19, foi conquistando respeito e atenção mediática mundial. E lá veio ele, invadindo a Europa.

apenas num fim-de-semana começou a sentir-se a ameaça mais de perto

Algumas mentes inquietas começaram a alertar-nos, mas ainda houve tempo para um pequeno “ensaio sobre a cegueira”, sendo dito, inclusivé, que dificilmente o vírus chegaria a Portugal.

A quem se manteve atento, tornava-se cada vez mais óbvio que ele não iria parar até se fazer notar e sentir.

Itália começou a tornar-se um palco de horror.

De repente, apenas num fim-de-semana começou a sentir-se a ameaça mais de perto, enquanto planeávamos a semana seguinte, que iria começar a 8 de Março.

Numa terça feira, dia 10 de Março de 2020, começou a alastrar-se uma consciência do que nos podia esperar, e começámos a procurar respostas – estas pareciam tão vagas que se foi instalando a ansiedade perante a ameaça sobre o nosso país, sentimos o rebuliço governamental, a incerteza dos serviços de saúde, e rapidamente sentimos como ele queria fazer sentir-se.

Escola Secundária José Saramago. - ph. DR

Quinta feira, 12 de Março de 2020, o Governo decreta o fecho das escolas. Era agora oficial nas nossas mentes que o Coronavírus (COVID-19) se tinha instalado e que se adivinhavam tempos de incerteza.

Se ao menos tivéssemos aprendido com a Historia; se ao menos tivéssemos olhado para os países vizinhos… uma quantidade de “ses” que só vem sublinhar que o ser humano não sabe perder o controlo de nada e, assim, sem controlo, enchemos as nossas casas de bens, como se travar este flagelo começasse por aí.

Começámos a ter consciência que se tratava de um vírus que a comunidade científica tentava a todo o custo travar e que nas nossas mãos está apenas uma única forma de o combater: o civismo.

A Ericeira deu um exemplo de coragem, determinação e espírito comunitário

Chegou a hora do ser humano extrair o melhor de si, tomar atitudes corajosas, sacrificar-se e ser consciente duma forma global.

A Ericeira foi claramente um exemplo de coragem, determinação, espírito comunitário. Numa altura em que ainda não tinha sido decretado o Estado de Emergência, diversos estabelecimentos (bares, discotecas, restaurantes e muitos pequenos comércios de bens não considerados de primeira necessidade) tomaram medidas, entre o encerramento e a prevenção.

Rapidamente a comunidade se uniu para ajudar aqueles que se encontram em isolamento social, e tudo isto foi feito sem ordens do governo ou de outra autoridade.

Recolhemos a casa. Fomos conscientes, transmitindo às nossas crianças a verdade.

Não estando a generalizar, pois claramente houve excepções, a Ericeira correspondeu na sua maioria. E correspondeu porque somos uma comunidade histórica, e apenas conscientes da História podemos prevenir repeti-la.

Os números aumentam de dia para dia, e engolir todas e quaisquer noticias não é o que devemos fazer para manter a paz de espírito. Façamos um exercício: vamos dar atenção às nossas boas notícias e vamos dar atenção às boas noticias do mundo.

Deixemos o nosso egoísmo de lado e vamos inverter o pensamento de que “os outros é que fazem bem, nós somos um país pequeno”: por que não partir dos exemplos e pensar “com o que se passou de errado lá, o que podemos fazer de diferente aqui?”

Esta pandemia pede-nos silenciosamente para agir e reagir

Temos uma enorme responsabilidade nas mãos, além da cura para este maldito vírus: trata-se daquilo que infelizmente ele nos trouxe para apreender e aprender.

A economia vai sofrer um estrangulamento, existem muitas entrelinhas que nos vão levar ao desespero porque nos irão trazer uma lucidez que até à data, enfiados nas nossas conchas, não temos.

Esta pandemia pede-nos silenciosamente para agir e reagir.

Do ponto de vista psicológico, cabe-nos a todos manter a saúde mental, aceitar que está fora do nosso controlo aquilo que cientificamente desconhecemos, consciencializando-nos daquilo que se encontra ao nosso alcance.

Mar – ph. jos_instaphoto

Em nosso poder está a consciencialização da nossa situação e também a consciencialização dos nossos. Dou um exemplo pessoal: sendo o meu pai uma pessoa de 63 anos e a minha avó de 88, coube-me acalmá-los, coube-me tranquilizá-los, coube-me cuidar deles.

Infelizmente, não estando perto deles.

A minha avó passou a conhecer as vídeo-chamadas e eu fiz história na história de vida dela.

o isolamento vai trazer ao de cima o pior mas também o melhor do ser humano

Dar o conforto aos nossos de que tudo pode correr bem, se neste momento formos altruístas, é um princípio.

Este impacto de isolamento vai trazer ao de cima o pior do ser humano, mas também o seu melhor. Esperar que apenas o melhor possa sobressair é uma ilusão, temos que estar alerta para tudo. O alerta social é fulcral.

Durante este tempo devemos todos fazer uma profunda reflexão.

O que vale mais na nossa vida, para a nossa saúde física e mental? Uma não sobrevive sem a outra.

Aceitemos de uma vez por todas que o mundo é global, respeitando a Natureza e cada cultura, porque tudo se encontra interligado num equilíbrio muito frágil.

Façamos valer o que é comum a todos: a importância da saúde, as emoções, os sentidos, os sentimentos; sejamos solidários e tenhamos coragem de dizer basta quando nos sentimos encurralados, tomando por exemplo consciência que, se fizermos um pequeno isolamento diário de 30 minutos, isso nos vai ajudar a limpar a alma e a olhar as outras almas além do óbvio.

Que consigamos compreender e fazer um exercício pessoal de compromisso connosco e para com o outro.

Aproveitemos para retirar lições deste período enquanto indivíduos e sociedade. Temos que nos consciencializar da nossa fragilidade e fazer disso a nossa força.

Que nos possamos reencontrar fisicamente o mais rápido possível!

Não sou ninguém para aconselhar os outros: por isso agradeço a todos que se levantam e dizem “é mais um dia, vai correr tudo bem!”

Obrigada Ericeira, obrigada comunidade, porque assim agradecemos mais do que possamos imaginar àqueles que estão na linha da frente para escrever linhas de esperança nesta trágica história que fará parte da História.

Agora pensem em tudo isto, com ou sem COVID-19.

Até breve a todos! Que nos possamos reencontrar fisicamente o mais rápido possível!