História breve de toda a infelicidade. Passada, presente e futura

 

Texto: Sérgio Miguel Santos Silva | Fotografia: Alexandre Costa Cabral

 

Tínhamos tudo. E por isso quisemos mais.

(Eu não sei nada sobre cores. Falo a sério e sem exagero. Teria dificuldade em nomear as cores de um arco íris e daí para cima é tudo um mistério. Nunca soube misturar cores, combiná-las ou sequer chamá-las pelos nomes certos. Carmesim, escarlate ou marsala são nomes que apontei num caderno para poder consultar e significam para mim uma única cor. Ocre, turquesa, azure, cobalto, terra siena, indigo, titânio, pérola, grafite, são nomes retirados desse mesmo caderno, que me remetem apenas para uma ideia geral de cor. Isto era um problema na altura em que tentei pintar a óleo. As tintas eram caras e era preciso fazer cores a partir da sua combinação. Não tinha nascido mais para as cores do que para lavar pincéis.

há uma cor extraordinária da qual tenho que falar

Desisti de lavar pincéis, mas não desisti das cores. Gosto de fazer fotografias e, durante muito tempo, fotografei a preto e branco. Era mais fácil porque, sendo eu um mau fotógrafo, a cor era mais uma dimensão para controlar e mais um elemento onde falhar. No entanto, como tenho esta tendência para me colocar em posições privilegiadas para falhar, comprei uma máquina fotográfica nova e comecei a fazer más fotografias – isto é, piores do que as que fazia – a cores. A ideia é vir a falhar menos, ou melhor.

A minha inabilidade com as cores não fica por aqui. As minhas roupas são, intencionalmente, e, quase invariavelmente, azuis, cinzentas, pretas e brancas. Desta forma não preciso de fazer o inglório esforço de as combinar. Levanto-me e visto-me muito cedo. Muito antes de ter o discernimento necessário para combinar cores, uma tarefa que já é difícil quando bem acordado. Durante uma boa parte do ano, levanto-me ainda antes do sol nascer, e toda a gente que sabe de cores, sabe também que as cores não são as mesmas à luz eléctrica.

É a cor mais bonita que existe e eu nem sei pôr-lhe um nome

Mas o que importa mesmo neste curto parênteses é que há uma cor extraordinária da qual tenho que falar. É aquela cor que aparece nas nuvens finas e longas quando os dias começam ou quando os dias acabam. Em especial os dias de calor. É a cor mais bonita que existe e eu nem sei pôr-lhe um nome. Uma cor quente, terna e sedutora. É rosa sem ser rosa, laranja sem ser laranja, encarnado sem ser encarnado. Também é uma cor que não perdura, que é fugaz, que aparece e desaparece. Muito rapidamente, sem aviso.

As pessoas a quem queremos muito são desta cor. Se tivermos sorte amanhecem e anoitecem connosco. Mas não sabemos porquê, nem onde, nem quando. Não sabemos nada. Não sabemos disto mais do que eu sei das cores.)