“FEMME”: Um tributo à condição feminina

 

Texto: Ricardo Miguel Vieira | Fotografia: Rita Quelhas

 

Dois olhares distintos: um “inocente e nostálgico” e outro de traços “elegantes e sumptuosos”. Ambos sugerem a representação de um imaginário individual sobre a figura feminina e relançam a reflexão sobre o passado e a presente circunstância da mulher na sociedade. Ou simplesmente celebram as suas virtudes e memórias. Em FEMME, um ciclo de exposições das designers Marta Almeida Santos e Ana Rita Lança patente em Lisboa até de 4 Fevereiro, a contemplação da figura feminina está no interior de cada observador.

“O meu trabalho reflecte essencialmente sobre o conflito de gerações e a mutação da condição feminina”, conta Marta, 24 anos, que encontrou nas colagens de fotografias dos avós, que fazem da Ericeira o seu refúgio de Verão desde 1964, um meio para lançar “um olhar crítico”, embora “muito pessoal”, sobre a vida das mulheres há 40 anos atrás. Por contraste, o trabalho de Ana Rita Lança, também de 24 anos, debruça-se sobre a “representação da forma feminina pelos traços físicos que lhe são inerentes e pela conotação simbólica a ela associada”.

Marta Almeida Santos e Ana Rita Lança. FEMME. - ph. Rita Quelhas

Marta Almeida Santos (esq.) e Ana Rita Lança na primeira inauguração de FEMME.

FEMME é uma homenagem à mulher, aos seus limites físicos, culturais e até sociológicos. Uma fusão de trabalhos de “estética marcadamente feminina” que sugere um olhar oscilante entre os visuais analógicos e os digitais. Marta Santos, que cruza as ruas da Ericeira todos os verões, desde que nasceu, optou pelos recortes e colagens, porque requerem mais do que um olhar singular na sua elaboração. “Atrai-me o facto de estar a apropriar e transformar o trabalho – neste caso, as memórias – de outra pessoa. Vejo-o como um acto de criação colectiva, ainda que muitas vezes os outros autores não saibam que nele estão a participar.” Além disso, o resultado criativo é uma incógnita. “O trabalho manual é mais impulsivo e menos metódico, é mais fácil deparar-me com resultados muitas vezes mais interessantes que aqueles inicialmente planeados.”

A Rita Lança, as técnicas digitais permitiram a “convergência de variadas obras de arte moderna e contemporânea” a partir de uma interpretação fotográfica que proporcionasse um “visual orgânico, elegante”. Ambos os métodos conferem a FEMME um conjunto de trabalhos que mexe com diferentes referências das suas autoras. “Temos referências visuais, musicais, literárias muito distintas, mas que parecem completar-se. A combinação das nossas visões pareceu-nos inevitável”, afirma Marta.

Rita e Marta conheceram-se enquanto estudantes no IADE. Findo o curso, levaram consigo na bagagem mais do que um diploma: a motivação para expor à capital os seus trabalhos. “Fomos em parte movidas pela vontade de participar na vida cultural da cidade, achámos interessante mostrar um trabalho que não é tão comum ser exposto ou apresentado como outras formas de expressão artística ou criativa”, explica Marta.

FEMME é a mostra-estreia da dupla em exposições ao público. Começaram, assim, por revelar uma série de trabalhos que se centra na figura feminina, humana, que esconde referências geográficas. Contudo, nos trabalhos de Marta, há marcas da Ericeira antiga, da época em que os avós casaram e arrendaram uma pequena casa no centro da vila, há 50 anos atrás. A influência jagoz foi-lhe transmitida pela família ao longo de gerações, pelo que no seu lado criativo há sempre uma presença da Ericeira. “Correndo o risco de me ter afeiçoado ao clichê, julgo que o mar [da Ericeira] é o que mais me influencia. Toda a vila parece viver em função dele. É o denominador comum entre a população local, os visitantes assíduos e os turistas ocasionais. Tem um efeito inexplicável nas pessoas. Apela a uma espécie de inquietação.”

Marta Almeida Santos. FEMME. - ph. Rita Quelhas

Marta Almeida Santos.

FEMME é também um tributo à Ericeira. Através das fotografias dos avós, gente que se pode dizer da terra, Marta invocou histórias que os seus ascendentes lhe contaram ao longa da vida e cujo cenário era, na maioria dos casos, a vila ericeirense. Uma herança familiar que faz com que a Ericeira esteja sempre reflectida nos trabalhos da designer, seja esta mais ou menos visível. “Foi naquela casa que foram forjadas as melhores memórias da infância e juventude da minha mãe, da minha tia, das minhas primas e da minha irmã.”

A primeira exposição FEMME está patente no Atelier 27, no Cais do Sodré, até 22 de Outubro. Seguem-se mostras na Ler Devagar, na LxFactory, de 24 de Outubro a 11 de Novembro; na Dona Tília, em Campolide, de 13 a 30 de Novembro; no Primeiro Andar, junto ao Coliseu dos Recreios, de 1 de Novembro a 1 de Janeiro; no Coworklisboa, na LxFactory, de 1 a 18 de Dezembro; e no Desassossego, em São Bento, de 4 de Janeiro a 4 de Fevereiro.

 

OBRAS

Obras #1-3: Marta Almeida Santos
Obras #4-6: Ana Rita Lança