Texto: Hugo Rocha Pereira | Fotografias: Semente Surfboards
A Universidade Lusófona, em Lisboa, começou a realizar um ciclo de conferências sobre surf e performance no início deste mês. Até ao final de Maio diversos temas relacionados com o universo das ondas serão debatidos e algumas das datas contam com a participação de ilustres representantes da Ericeira. Hoje à tarde (entre as 15 e as 18 horas) o foco incide sobre a importância do equipamento, as pranchas de surf – e quem melhor para falar sobre isto do que o co-fundador e shaper principal da Semente Surfboards? Aproveitámos o pretexto para conversar com Nick Uricchio (sobre surf, pranchas e a Ericeira) no escritório da icónica marca portuguesa, em Ribamar, numa pausa do trabalho na oficina.
Que importância atribuis a um ciclo de conferências como este, em que se debatem vários temas do universo do surf na universidade?
Penso que é importante, até pelo interesse que pode suscitar na juventude, nos estudantes universitários, por ser um assunto que não estão habituados a ouvir falar na universidade. O surf é um desporto que se está a desenvolver bastante no país e pode suscitar mais interesse do que outros temas. Ver o lado profissional do surf, a perspectiva de negócio, pode ser interessante para os alunos, até porque penso ser uma iniciativa inédita.
Pegando no tema desta conferência: qual é o lugar da prancha no triângulo formado com o surfista e a onda?
A prancha é a peça fundamental. Os outros objectos envolvidos no surf (os calções, o leash ou o fato) não têm muita influência na performance, embora um fato mais maleável te ajude a mexer melhor e um fato mais quente te mantenha mais horas na água. Mas depois de apanhar a onda a prancha é um ponto fundamental. Qualquer surfista se lembra daquela prancha “mágica”, as memórias das melhores surfadas são sempre com aquela prancha em que as coisas estavam todas no lugar. A prancha é o que faz o surfista tirar o melhor proveito daquilo que gosta de fazer, que é surf.
A prancha é o que faz o surfista tirar o melhor proveito daquilo que gosta de fazer.
Enquanto shaper, que conselhos dás a quem pretende escolher a prancha ideal?
Em primeiro lugar, que sejam honestos e realistas quanto ao seu nível de surf. Dar o máximo de historial e informação possível ao shaper também é importante. Se eu tiver o historial das pranchas que o surfista tem utilizado, qual é o quiver dele, o que usa no dia-a-dia, o que gostou mais nas pranchas que já teve… tudo isso vai ajudar. Também é importante saber onde o surfista quer chegar e que ele esteja aberto a deixar o shaper ser criativo – se for um shaper experiente, claro –, não tentar controlar demasiado o shaper. Deixar o shaper absorver o máximo das informações que lhe passas para ele fazer o que acha ser mais indicado para ti.
De que forma as ondas da Ericeira têm influenciado o teu trabalho e a história da Semente?
Quando, em 1982, eu e o Miguel Katzenstein viemos para a Ericeira, eu fabricava pranchas na Costa da Caparica e o Miguel praticava surf lá. E naquela altura a grande surf trip era vir à Ericeira… era quase como ir ao Hawaii. Quando mudámos para cá, tomámos essa opção a pensar sobretudo onde queríamos fazer aquilo que mais adorávamos. Tinha que ser no sítio com as melhores ondas, que era aqui. Podia não ser a melhor opção a nível de negócio, mas a nível pessoal era o que pretendíamos. A influência que esta zona e estas ondas têm a nível de fabrico, de ideias e de formação como shaper foi fantástica porque aqui existe uma variedade enorme: desde beach breaks a point breaks, passando por reefs e slabs… existe um pouco de tudo. E temos uma mistura muito completa de ondas boas e power. Só é pior no que toca a ondas muito más – ondas super moles, como existem na Linha do Estoril ou na Costa da Caparica –, que aqui são difíceis de encontrar. Mas esse é um trabalho que se pode desenvolver com os atletas que andam pelo mundo fora a bater campeonatos com ondas miseráveis e nos dão bastante feedback. Acho que a Ericeira é um sítio muito completo e equilibrado para um shaper.
A evolução das pranchas é resultado de muitas cabeças que pensam de maneiras diferentes.
Até que ponto a relação entre o surfista e o shaper é importante para a evolução de ambos?
Essa relação é hiper-importante para a evolução de ambos. O trabalho que tem existido com surfistas como o Nic Von Rupp, o Gony Zubizarreta, o Ruben Gonzalez ou o Marlon Lipke é muito importante tanto para a minha evolução como para a evolução deles. É engraçado porque acabamos por crescer juntos. Como shapers, estamos sempre a explorar novos campos, e com base num design que funcionou bem (as larguras, o fundo e o concave estão certos) tentamos pequenas alterações; o surfista experimenta e depois vem o feedback. E tanto o surfista como o shaper podem chegar a novas conclusões por causa disso. Então hoje em dia, com a ajuda do computador, essas mudanças são mais ligeiras, mais calculadas e controladas do que antigamente. E temos a hipótese de aplicar essas conclusões a um novo modelo para o público em geral. Existe ainda outro factor importante: os surfistas profissionais andam pelo mundo fora, a surfar e a competir com os melhores do mundo, que utilizam as melhores pranchas. Por isso precisam de utilizar equipamento de topo. E para andar neste nível, aquilo a que chamo “a linha da faca”, tens que estar atento e actualizado. E também podemos tirar conclusões vendo o trabalho dos outros. Até pode ser importante para a minha evolução que um dos meus atletas me traga uma prancha doutro shaper com que gostou de surfar. Temos de ter humildade naquilo que fazemos, não podemos fazer o trabalho de olhos fechados, ignorando o que se passa à volta. A evolução das pranchas é resultado de muitas cabeças que pensam de maneiras diferentes.
Quais são as principais tendências actuais no shape das pranchas?
Acho que, de há uns anos a esta parte, os parâmetros alargaram-se um bocado mais. O público deixou de querer apenas pranchas estreitinhas como as dos profissionais. As pranchas têm vindo a tornar-se mais user friendly, com mais largura. A cabeça dos pros e dos surfistas comuns ficou mais aberta a ideias novas – pranchas para curtir, coisas diferentes –, o que é saudável para o shaper não ficar preso a um molde. Até os pros estão a experimentar muita coisa (quad fins, pranchas largas para ondas pequenas) em vez de viajarem pelo mundo com um quiver de pranchas idênticas. Têm uma prancha pequena e larga para os campeonatos e outras para o free surf.