Texto: Ricardo Miguel Vieira | Fotografia: DR
“Pessoal, façam barulho para um dos mais jovens talentos da nova geração do hip-hop nacional: BLINK.” É Xeg, um dos mais reconhecidos rappers portugueses, quem chama ao palco Inês Mourão (aka BLINK*). Ela estava atrás da mesa do deejay, os nervos a consumirem-lhe o corpo, de tal modo que só pensava em desmaiar. Era a primeira artista da noite. Sobe ao palanque, agarra no microfone – “Como é que é pessoal?!” –, apresenta-se ao público que pontilha o salão do Meninos do Rio, em Lisboa, e inspira fundo ao primeiro beat sintetizado. Puntz, puntz-puntz, puntz… “I am a Goddess“. O gelo está quebrado: é o momento de passar a coisas sérias.
A primeira vez que vi Inês Mourão foi quando entrou no bar-restaurante lisboeta, seguida pelo namorado e alguns amigos, naquela sexta-feira fria e húmida. Demorei vários minutos até perceber que ela representava a BLINK*, tinha concebido na mente que seria mais alta, com uma presença mais marcante à primeira vista. Contudo, Inês é uma discreta jovem de 17 anos que estuda Design, tem pouco mais de metro e meio de altura, figura frágil e cabelo carvalho claro, liso, pelos ombros. Já a BLINK* é uma femme fatale, uma “Killa Queen”, como cospe nas letras da sua mais recente música (no vídeo acima), de camisola cinzenta descaída no ombro esquerdo, shorts negros e collants de rede. “Sai-me da frente, hoe / Decora o dia, a dona do rap chegou.”
No início do show pairava a desconfiança sobre o que BLINK* teria para dizer. No final da primeira música, um grupo de três raparigas que estava do meu lado direito, num dos flancos da sala, menosprezava o som e a postura egocêntrica da artista. Mal sabiam elas que fora exactamente esse o catalizador para Inês Mourão se iniciar no rap, decorria o ano 2009. “Sentia-me um bocado à parte do ambiente em que cresci e [o rap] foi um modo de defesa e uma forma de conseguir perceber-me a mim própria e aceitar em mim o que os outros não aprovavam”, diz-me, já depois do espectáculo. Seguiram-se mais quatro músicas, sempre acompanhada pelo MC e DJ Mike El Nite e, eventualmente, a rimar em inglês com Sam Ajjuri – que veio do Reino Unido – e com Inês Moreira. Um primeiro passo na evolução em palco. “Depois de cada música e cada performance, acho que posso sempre melhorar um bocadinho mais. Em termos de atitude, volume de voz, pode haver sempre uma evolução.” Nem por isso deixou de interagir e até espicaçar o público. “Malta, tenho a certeza absoluta que conhecem este som. Se gostam de rap e não sabem o refrão, então são uns pussies.”
O rap é muito exigente, é super complicado, e quando vou para a Ericeira, tudo desaparece.
A sonoridade de BLINK* destoa do que é habitual no hip-hop, e talvez seja isso que causa estranheza a ouvidos pouco habituados. A electrónica experimental, de beats abafados e sintéticos, é a sombra de uma escrita de estilo ego-trip, de dedo em riste e manguitos no ar (como chegou a fazer no concerto). “É complicado chegares ali com um som que não soe a hip-hop, puro e duro, que fala das ruas. Nunca senti a necessidade de escrever e falar dessas coisas porque não as vivo. Se [os rappers] defendem que o hip-hop é ser real, então, estou a ser real comigo mesma, ninguém me pode criticar por isso”, dispara.
À frente de BLINK*, na plateia, está Honey, metade do duo hip-hop português A.M.O.R, uma das suas maiores influências em Portugal. Porém, a Ericeira, onde passa as férias e os fins-de-semana, também tem a sua responsabilidade na inspiração da artista. “A Ericeira é um lugar onde esqueço tudo. O rap é muito exigente, é super complicado, e quando vou para lá, tudo desaparece. É que nem existo eu própria. É uma relação que eu tenho com o mar.”
Pela reacção geral, no final do concerto, BLINK* conseguiu conquistar o seu primeiro público. Desceu do palco e foi prontamente rodeada pelos amigos, que lhe dirigiram os habituais abraços e palavras de incentivo para quem é novato nestas andanças. Enquanto me fala do concerto, no exterior do Meninos do Rio, embrulhada num longo casaco cor de vinho, é indisfarçavel que a electricidade do momento ainda flutua nas veias de Inês Mourão. A “Goddess”, afinal, também se revela humana. “Estava a pensar desmaiar antes do concerto, mas acho que vou desmaiar agora.”