“Era a pescar que se sentia bem”

 

Texto e fotografia: Sónia Nunes

 

Era a pescar que se sentia bem.

Aqui ou ali, na sua vila, na sua Ericeira.
Tão rica, tão linda, tão encantadora.

Tardes inteiras, sempre que o tempo estava
de feição… preparava-se para a sua actividade preferida.

Punha o boné vermelho…
que a mulher lhe comprara para o ver bem.
Pegava em tudo o que compunha o seu equipamento.

E despedia-se da mulher, beijando o seu retrato.

Dizia-lhe: “Até logo Maria!”

Num tom leve, jovial.
Como se ela ainda ali estivesse.

E era com satisfação que ia à procura do sítio
que lhe apetecia para aquele dia.

Conforme a maré permitisse….

Tinha os seus sítios de eleição.

Conforme o seu humor, a sua necessidade de ver gente…
ou de mergulhar no silêncio.

Optava.

Hoje, queria sentir a vila, para além do mar e do horizonte.
Ia para perto, foi a pé…

Desceu às rochas da praia do Algodio…

Ali, enquanto pescava… lembrava os tempos de menino.

Com a mãe e os irmãos.
Tempos idos… tantas saudades.

Tempos de ouro.

Não tinha nada… mas tinha tudo o que era importante.
Pensava…

Sem querer… uma ou outra lágrima escorriam no rosto.
Não as limpava… eram amor.

Via-se ali, ali mesmo… com o avô,
que lhe ensinara tudo sobre o mar,
sobre pescar…

E assim, subitamente se sentia de novo acompanhado por ele.
Sentia a sua mão segurando a cana,
amparando-o naquela tarefa tão dura para um menino.

Por momentos estavam de novo juntos.

E ouvia-se rir.

Aquela gargalhada… feliz e sua.

Era de novo criança.

Subitamente despertava… um velho conhecido o chamava…
e cumprimentava… conversa rápida, de circunstância.

Ficava só, de novo.

E era agora a Maria, a sua tão adorada Maria,
que chegava e lhe ralhava.

“Sempre a pescar… que mania!!!
Anda para casa, homem… já chega!”

Sorria… triste.

Tinha saudades dela…

Mas ela andava sempre com ele, sempre.
Era como se a sentisse a todo o instante.
Ele sabia que ela continuava por ali.
Junto dele.

E respondia-lhe baixinho…

“Já vou, Maria… já vou…”

E era nesta viagem pelas emoções,
pelas saudades… que ficava horas.

Pensando em tudo e em nada…

… às vezes mergulhava no vazio…

Sentia paz.

Lá longe, misturado com todos os sons de um dia normal…

Escutava: “Avô!!! Avôoooo!!!”

Cada vez mais perto, mais alto, mais alegre…

Eram o neto e a filha… seus amores,
que lhe enchiam os dias de afecto, cuidados…
de amor… que não passavam um dia sem o abraçar.

E os olhos enchiam-se agora de vida,
o sorriso largo surgia cheio de luz…

Era mesmo isso…

… a vida vinha a caminho!

Pescador - ph. Sónia Nunes