Entre a Música e as Ondas

Francisco Fonseca - ph. DR

 

Texto: Hugo Rocha Pereira | Fotografias: Arquivo/Francisco Fonseca

 

Francisco Fonseca já fez do mar o seu palco em incontáveis ocasiões, conquistando nas ondas títulos e troféus enquanto praticante de windsurf, tanto em Portugal como a nível internacional. Uma lesão contraída a praticar surf (sem vento no prefixo) fez o fervor competitivo esmorecer, mas – num exemplo de que acontecimentos negativos podem gerar consequências benéficas – acabou por despertar-lhe o amor pela música, que daqui por umas horas o levará à Taberna Lebre. Nesta conversa o jovem cantautor fala não só do seu percurso na arte e no desporto como da relação que mantém com a Ericeira desde criança.

 

De onde és e que relação tens com a Ericeira?

Eu nasci em Lisboa, mas com um ano fui viver para Sintra, no centro histórico, e vivo em Sintra até hoje. Tenho uma relação amor-amor com a Ericeira. As minhas primeiras memórias (devia ter 10 anos) são de passar uns dias nos verões em casa de uns primos e adorar passear pela vila e fazer surf na Praia do Sul. Quando fiz 16 anos e comecei a competir a sério no windsurf comecei a ir regularmente treinar à Ericeira e, hoje em dia, não há semana em que não vá aí, pelo menos uma vez, ou por causa de música ou para fazer windsurf ou surf.

 

Na primeira vez em que tocaste no Lebre estávamos em pleno Verão; voltas no Inverno: a tua música estará mais talhada para que estação?

Muitas das músicas são relativamente calmas, por isso sinto que realmente são melhor apreciadas num ambiente intimista, em que as pessoas estão realmente interessadas em ouvir a música e as letras. Eu acho que o Inverno proporciona esse tipo de ambiente mais rapidamente do que o Verão porque está frio e chuva e as pessoas acabam por se juntar no interior do local do concerto. Mas acho que acaba por depender mais do tipo de público do que da estação do ano. No Verão dei alguns concertos que as pessoas adoraram e consegui criar uma ligação com o público e outros em que as pessoas não estavam tão interessadas em ouvir músicas que desconheciam. Mas o que posso disser do Lebre é que é um público composto de pessoas que realmente se interessam por música e me receberam extremamente bem no Verão. Tenho esperança que aconteça o mesmo agora.

Cada música aparece como um novo desafio, parece que cada tema tem os seus próprios traços de personalidade.

Pelo que sei, és um compositor profícuo. Vais apresentar temas novos na sexta-feira? E qual é o maior desafio para ti: criar ou trabalhar os temas?

Vou tocar algumas músicas novas, sem dúvida. Tenho umas bastante recentes de que gosto muito. Eu acho que cada música aparece como um novo desafio, parece que cada tema tem os seus próprios traços de personalidade. Algumas aparecem logo fortes e já formadas, como a dizerem “eu sou assim”, e outras aparecem aos bocados e têm que se juntar as peças do puzzle. Mas, mesmo assim, sinto que o afinar da matéria bruta acaba por ser sempre o maior desafio para mim, o tentar que a música real acabe por soar tão bem como imagino que pode vir a soar.

 

De que forma as aulas de guitarra com o Abel Beja te têm ajudado?

O Abel Beja acabou por ser muito mais do que um professor de guitarra, e foi essa a razão por que escolhi ter aulas com ele. A minha irmã já tinha tido aulas com o Abel e já me tinha dito que ele seria a pessoa indicada para me ajudar com a minha música, porque ele não é apenas um guitarrista exímio como também um excelente professor de guitarra em todas as suas formas (clássica, acústica e eléctrica) –, tem uma mente aberta e é ao mesmo tempo músico e concertista. Por isso era uma oportunidade a agarrar porque ele estaria disposto a analisar e a ajudar-me a trabalhar a minha música. Tudo isto acabou por ser verdade e tem corrido até melhor do que tinha esperado inicialmente. Para além da parte técnica, o Abel tem-me dado imensa força e confiança para eu divulgar e melhorar a minha música.

 

A tua família tem uma certa tradição artística. Esse ambiente familiar acabou por te influenciar?

A tradição musical vem do meu pai, que é um excelente pianista, e do seu lado da família. Eu cresci a ouvir música clássica, musicais da Broadway e Tom Jobim. O meu quarto era por baixo do piano e o meu pai toca todos os dias de manhã quando acorda e à noite antes de ir dormir, por isso era assim que eu adormecia e acordava – a adormecer era sempre óptimo, a acordar nem sempre! (risos). A minha irmã cantava sempre a acompanhar o meu pai no piano, e depois de uns anos a estudar música acabou por se tornar numa singer/songwriter cheia de talento e está finalmente a começar a ter o reconhecimento e sucesso que sempre achei que ela merecia. Do lado da minha mãe vem a escrita e as histórias, a minha mãe sempre nos leu histórias de magia e fantasia quando já estávamos na cama prontos a adormecer, leu-nos todos os livros das Crónicas de Narnia, todos os livros do [J.R.R.] Tolkien e muitos outros. Ela sempre nos incentivou a usar a imaginação e a sermos criativos com o nosso pensamento e escrita.

É engraçado como, no fim de contas, o windsurf e a música se complementam perfeitamente.

És praticante de windsurf. Fala-nos um pouco do teu percurso.

Eu comecei pelo skimboard, depois surf e aos 10 anos o meu pai deu-me um kit de criança e foi aí que começou o windsurf. O meu pai já praticava e na altura era shaper de pranchas de windsurf. Hoje em dia já quase só pratico surf e windsurf, mas estou decidido a comprar uma boa prancha de skimboard mal consiga. Comecei por competir no campeonato nacional de windsurf de onda e quando me tornei Campeão Nacional de júniores, em 1999, decidi que deveria tentar estudar e viver na meca do windsurf mundial, que é a ilha de Maui, no Havai. Consegui realizar o meu sonho em 2000, com um grande esforço e ajuda por parte dos meus pais, e vivi, estudei e fiz windsurf entre os melhores do mundo durante 6 messes. Nesse mesmo ano tornei-me Campeão Mundial de júniores e consegui alguns patrocínios que me ajudaram a viajar e a competir, mas foi sempre difícil em termos de patrocínios por eu ser português e querer viver cá, porque Portugal representava muito pouco do mercado de windsurf global. Quando acabei a escola continuei a competir e a estudar Marketing e Publicidade no IADE, em Lisboa. Foi durante esses anos que, usando o dinheiro que fiz escrevendo livros para crianças a meias com a minha mãe e a minha irmã mais nova, consegui competir quase a tempo inteiro enquanto estudava. Tornei-me Campeão Nacional em 2007 e nos anos seguintes fiz uma grande parte do campeonato mundial de windsurf profissional de ondas. Em 2009 tive uma lesão no ombro a fazer surf; essa lesão coincidiu com a crise financeira mundial e tive de parar de competir internacionalmente. Foi aí que comecei a desenvolver o meu amor pela música.

 

Como concilias o windsurf e a música? Consegues relacionar estas duas actividades?

Conciliar o windsurf e a música é relativamente fácil porque a música não tem horas nem exige que seja de dia; não exige condições atmosféricas específicas e só pede vontade, por isso para mim a música é sempre que posso. Por regra, acabo por ficar a tocar a seguir ao jantar e até me deitar… é por isso que acabo por me deitar todos os dias as duas da manhã. É engraçado como, no fim de contas, o windsurf e a música se complementam perfeitamente: ambos desenvolvem e dependem de criatividade, emoções, vontade, flow e ritmo!

 

Costumas fazer windsurf na Ericeira? O que achas do potencial destas praias para o windsurf?

Eu costumo fazer windsurf regularmente na Ericeira, principalmente na Praia do Matadouro. É principalmente lá e em Ribeira d’Ilhas que se pratica windsurf, e já se pratica lá windsurf provavelmente desde o fim dos anos 80. Eu divido sempre o meu tempo entre a Ericeira e o Guincho, mas em termos de pura qualidade de windsurf a Ericeira é normalmente bastante melhor que o Guincho, e no Verão ambas atraem bastantes praticantes nacionais e estrangeiros da modalidade.

Em pleno voo.

Em pleno voo.