Daniela Simões: «o objectivo da TRIBO é pôr mais pessoas a fazer teatro»

 

 

Texto: Andreia Félix | Fotografia: Colectivo A TRIBO

 

Com o Dia Internacional do Teatro a chegar a 27 de Março, o Colectivo A Tribo celebra esta arte já hoje, dia 15 a partir das 15 horas, e vai apresentar cinco novas criações que irão entrar em palco ao longo deste ano.

Numa entrevista à criadora d’A Tribo, Daniela Simões explica as surpresas que podemos esperar do Colectivo.

12 anos de vida e cinco novas criações

Era uma vez uma mulher cheia de sonhos e de vida que, aos 23 anos, recém-formada pela Escola Superior de Teatro e Cinema, decidiu embarcar na aventura de criar um grupo de teatro comunitário. Pegou na enorme vontade que tinha, nas ferramentas que conhecia e naquilo que ainda não sabia e descobriu, através da experiência, da convicção e de uma fé enorme nas pessoas e nas relações humanas.

Daniela Simões criou o Colectivo A TRIBO, que foi tema da sua tese de Mestrado em Teatro Comunitário. O primeiro grupo, em 2013, contava com 22 alunos e alunas da Escola Técnica e Profissional de Mafra (ETPM). Desde essa altura, e até agora, passaram pela TRIBO centenas de pessoas dos 7 aos 80 anos, que cocriaram 28 espectáculos de teatro e três documentários. Não é possível separar a TRIBO da Daniela nem do trabalho que tem feito pela e com a comunidade do concelho de Mafra, através do teatro.

Em 2025, ano em que o Colectivo comemora 12 anos, vão ser apresentadas mais quatro novas criações teatrais, um filme-documentário sobre o que é isto de fazer teatro na TRIBO, ao que acresce a já referida comemoração do Dia Mundial do Teatro, que visa reunir 100 pessoas a fazer teatro na Casa da Música Francisco Alves Gato, em Mafra. Nesta conversa com Daniela Simões, ficamos a saber tudo ao pormenor.

 

O que é que o Colectivo A TRIBO nos vai trazer em 2025?

Vamos ter a estreia de quatro espetáculos e de um novo filme-documentário sobre o processo criativo da TRIBO, e também vamos celebrar de forma especial o Dia Mundial do Teatro. Três dos espectáculos a apresentar, dos nossos grupos regulares, funcionam como um tríptico. Se no ano passado já existiu uma certa passagem de testemunho de espetáculo para espetáculo, este ano é evidente que esse fio condutor existe. A temática que une estes espectáculos é a tomada de consciência de que ocupamos um mundo comum, onde convivemos, crescemos e reflectimos, e que há esperança. E é belo ver como é que este tema se expressa em grupos com dinâmicas tão diferentes.

 

Qual é o primeiro espetáculo, a estrear a 10 de Maio em Mafra, no Auditório Municipal Beatriz Costa?

É o do CLÃ e fala sobre encontros e sobre aquilo que esses encontros provocam em nós. E esta ideia de encontro nasce a partir do próprio grupo que é bastante heterogéneo, com 23 pessoas dos oito aos 80 anos, e que chegou à conclusão que, apesar de todas as diferenças que existem, de idades, formas de olhar e tempos de estar no mundo, todas as segundas-feiras essas pessoas tão diferentes encontram-se no mesmo sítio para fazer teatro.

 

E o espetáculo que se segue, a 23 de Maio na Casa de Cultura Jaime Lobo e Silva, na Ericeira?

O segundo espetáculo a estrear é da TRIBO A, o nosso grupo exclusivamente dedicado à adolescência, que conta com 24 adolescentes, e é sobre luz. Este grupo quer fazer um espetáculo que dê esperança, quer que o público sinta que, mesmo num dia mau, vai aparecer qualquer coisa que nos indica o caminho. Talvez se passe dentro ou fora da cabeça de um poeta. Quando está tudo às escuras e vemos uma luz a piscar ou quando acendemos uma luz para conseguirmos ver, o que é que isso significa para nós? Ou quando desligamos a luz porque não queremos ver… E que coisas são estas que nos guiam?

hoje A Tribo tem mais estrutura, mais força e coragem para se afirmar

O terceiro espetáculo, com estreia agendada para 14 de Junho na Casa de Cultura Jaime Lobo e Silva, na Ericeira, é o do CICLO 11…

Este grupo está cada vez mais heterogéneo, não só pelas idades (24 pessoas dos 14 aos 60 anos) mas também porque inclui pessoas que nunca fizeram teatro, pessoas que nunca estiveram na TRIBO, pessoas que estão na TRIBO há muito tempo, pessoas que foram durante muitos anos de outro grupo da TRIBO. É um grupo extraordinário, maluco e diferente de tudo o que já vivi até agora. É um grupo forte, divertido, autêntico, com muita disponibilidade, leveza, que está em presença nos ensaios e onde as pessoas querem genuinamente ouvir-se umas às outras e é muito prazeroso trabalhar assim. Este espectáculo encerra o nosso tríptico e é sobre a coisa mais preciosa, que nos enriquece tanto, e que também nos dá tantas dores de cabeça: pessoas. É sobre as pessoas que fazem parte deste grupo: quem são elas, quais as relações já estabelecidas e quais imaginam ser possíveis. De uma forma mais abrangente, o espetáculo questiona: o que é isto de ser pessoa, porque é que é apaixonante e assustador conectarmo-nos, porque é que precisamos de pessoas e o que é que estas pessoas em particular têm a dizer sobre isto e umas sobre as outras.

 

Este ano a TRIBO embarcou num novo projeto no Milharado, e o quarto espetáculo é precisamente com este grupo. Fala-nos sobre isso.

O grupo do Milharado é maravilhoso, é um grupo que me tem ajudado a aprender e a questionar muito. Faz parte da Operação Integrada Local (OIL) da Freguesia do Milharado, uma iniciativa que tem como objetivo desenvolver uma série de actividades, entre as quais o teatro. É também um grupo muito heterogéneo, com 18 participantes dos sete aos 59 anos, que tem crescido nesse espaço invisível que é o teatro, porque não fazem ideia daquilo que vai acontecer. Nunca viram um espetáculo da TRIBO, não me conhecem, não conhecem o meu trabalho e ali nunca ninguém fez nada disto. Está tudo às cegas!

 

O espectáculo desse grupo vai estrear no dia 21 de junho no Espaço Multiusos do Milharado. Qual é a temática?

É sobre os objetos que consideramos importantes e com os quais nos relacionamos. Sobre os que eventualmente colocaríamos num museu, porque são importantes para nós. Pode ser a caixinha de música que a minha avó me ofereceu ou pode ser a minha escova de dentes que é muito importante no meu dia-a-dia. Vamos também pensar sobre quem somos sem esses objetos e quem são esses objetos sem nós. Porque, de repente, a caixinha de música da Alice tem uma história sobre a qual ela pode falar e esse objeto ganha uma existência diferente pelo olhar que a Alice tem sobre ele. O que é que acontece a esse objeto sem esse olhar, essa relação, essas memórias e essa história já vivida pela pessoa que o detém? Onde é que fica a identidade desse objecto se não tiver a pessoa dele?

O Dia Mundial do Teatro é a 27 de Março, mas a TRIBO vai celebrá-lo já hoje. Não dará azar?

Não tenho essa superstição. Acho que o que importa é celebrar. E como a intenção é divertirmo-nos e fazermos coisas que nos apaixonam, acho que vai dar certo e que a deusa do teatro não se vai importar…

 

O que vai então acontecer esta tarde na Casa da Música Francisco Alves Gato?

O objetivo é juntar 100 pessoas numa tarde a fazer teatro. Primeiro, para nos lembrarmos de como é importante brincar e sentirmos na pele que o teatro é uma ferramenta brutal para brincar. Segundo, fechando o ciclo de tudo o que falei sobre os espetáculos, para nos encontrarmos, e, por umas horas, divertirmo-nos e abraçarmos essa coisa maior que nós: o teatro.

 

E quanto ao filme-documentário com estreia prevista para este ano?

Estamos a acompanhar o CLÃ, a TRIBO A e o CICLO 11 desde o início dos processos, em Outubro, até ao fim, em Junho. A nossa intenção é que o documentário consiga responder às perguntas que tantas vezes nos fazem: Mas o que é que vocês fazem lá? Como é que se constroem os espectáculos? Que teatro é esse que vocês fazem? E, também, uma coisa que considero muito importante, agora que vamos fazer 12 anos: criar um arquivo. O teatro é tão efémero. Desaparece. Acontece e já foi. Só há memória. É uma forma de documentar e deixar registado o que são estes três grupos neste tempo e espaço em que ocorrem. E que, de alguma forma, representam aquele que é o trabalho maior da TRIBO no teatro comunitário.

A TRIBO está a entrar na adolescência, isso não te assusta?

Assusta, mas também me apaixona porque a adolescência é essa zona híbrida da vida. Eu acho isso fantástico. Eu vivo muito no presente. Tanto a Daniela de 2013 como a de 2025 têm uma profunda incapacidade de olhar para o futuro com um rigor e um esqueleto de “é isto que vai acontecer”. Eu olho para o futuro com vontades, desejos, energias, coisas que gostava de alcançar para mim, para a minha carreira e com a TRIBO. Essa noção e leveza de que a vida se vai construindo ajuda-me a não ter medo dessa adolescência na qual a TRIBO começa a entrar este ano. Só podem vir coisas boas porque tenho trabalhado muito e, seja o que significar esta adolescência da TRIBO, certamente será bom. Se calhar, a TRIBO está numa fase em que precisa de dar o grito do Ipiranga e afirmar-se, que é isso que os adolescentes também fazem nos seus núcleos. É a fase em que eu me afirmo e digo “estou aqui” e começo a projectar a minha personalidade, quem eu sou. Então, sim, a TRIBO é um espaço por onde já passaram muitas pessoas e que sabe que foi um espaço importante para essas pessoas. Hoje tem mais estrutura, mais força e coragem para se afirmar para fora.

 

Por que é que escolheste o teatro comunitário?

O teatro é uma ferramenta tão poderosa que não pode ser usada só por quem faz disso profissão. Motiva-me essa ideia de levar o teatro como motor de qualquer coisa a todas as pessoas que não fazem dele a sua profissão e que podem encontrar no teatro um espaço de respiração do dia-a-dia. Todos precisamos de pertencer a um sítio e talvez a Daniela de 2013 sentisse que não pertencia, e então quis criar a sua própria casa, que é esta casa maluca do teatro comunitário. Continuo a achar que é mesmo importante a TRIBO, este teatro, ser um espaço onde as pessoas sentem que pertencem.

 

E é isso que te continua a motivar?

Sim, motiva-me muito e dá-me muita esperança ver as pequenas transformações a acontecerem à frente dos meus olhos. Coisas que não estão documentadas, não estão registadas, não se escrevem livros sobre isso e também não se fazem filmes sobre isso, porque são coisas subtis mas que vão fazendo a diferença na vida das pessoas. E ver essas subtilezas a aparecerem motiva-me, alegra-me e diverte-me imenso.

o teatro é necessário e urgente.

Mas, afinal, o que é o teatro comunitário?

Para mim é um teatro que nasce das pessoas, que ensina a olhar para o outro a partir de si. É um salto num vazio, num abismo, eu trabalho assim. É um teatro que nasce a partir do que diz o inconsciente colectivo de cada grupo. Usar a matéria da casa para construir alguma coisa e pôr as vozes a sair do corpo. O teatro empodera só por si. Quando fazes teatro num sítio de segurança, um sítio onde sentes que podes ser tu e que te podes expressar, isso tem um impacto brutal. Continuam a chegar até mim pessoas que falam em jeito ou talento para fazer teatro, mas isso no teatro comunitário não me interessa. Interessa-me que as pessoas estejam aqui porque têm vontade, porque não é sobre se sou boa ou não a fazer teatro, é sobre eu poder expressar-me. E isso é fundamental para nos mantermos saudáveis.

 

Qual é o papel do teatro na comunidade?

O teatro, seja ele qual for, tem o efeito espelho. Quando há esse espelho consigo ver a minha história de fora e sentir coisas ao ver alguém em cena. Acho que o teatro acrescenta um universo simbólico, poético e estético muito grande ao mundo. E isso é importante. Ainda bem que existem tantas linguagens diferentes no teatro porque as pessoas também não têm todas as mesmas linguagens. O teatro oferece essa pausa e esse questionamento. O teatro não pode ser um espaço morno. O teatro quer-se muito quente ou muito frio porque tem que provocar alguma coisa em quem vê. Ocupa um lugar fundamental porque precisamos de nos ir vendo uns aos outros. O teatro é necessário e urgente.

 

O que é que a TRIBO quer dizer ao mundo?

Que é bom viver. A vida é um lugar bom para se estar. A vida será sempre o primeiro lugar de inspiração para este teatro. A TRIBO acredita nesse sítio possível de caminharmos todos na direção de um sítio que seja seguro e confortável para todas as pessoas, que todas as pessoas têm o seu espaço e que é importante ouvir e acolher.

 

Quais são os objectivos da TRIBO?

O objectivo claro da TRIBO é pôr mais pessoas a fazer teatro. Quantas mais pessoas fizerem teatro, mais pessoas felizes teremos: pessoas com mais capacidade de comunicar aquilo que sentem nas suas rotinas, nas suas vidas. E teatro promove mais teatro. Se eu começo a fazer teatro, eu vou ter vontade de ir ver teatro, então começo a ver teatro de outras companhias, levo a minha mãe, o meu primo e, assim, estamos sempre a criar rede. O objectivo máximo é continuar a criar rede, que essa rede seja maior e mais forte para transformar o mundo num sítio mais bonito para se estar.

 

Por que é que as criações da TRIBO não chegam a outros palcos?

Gostava muito, acho que é difícil porque são espectáculos que envolvem quase sempre muitas pessoas e não conseguimos programar dentro dos tempos dos outros teatros. Os espectáculos da TRIBO são feitos à medida. Estamos a criar no presente. Os espetáculos são escritos e acontecem com um grupo de pessoas específico. Depois o espectáculo esgota-se e, com ele, termina também aquilo que as pessoas foram naquele processo. Para podermos chegar a outros palcos, teria que ser alguém que já conhecesse e confiasse no nosso trabalho e que dissesse: vocês este ano vêm aqui fazer a vossa criação, seja sobre o que for. É estranho dois anos depois repetir um espectáculo.