Os Tempos Dourados de Ricardo Nogueira e Gonçalo Osório

Golden Times. - ph. DR

 

Texto: Ricardo Miguel Vieira | Fotografia: AZUL/DR

 

O rei Luís II da Baviera, conhecido como o Rei Louco, era um gajo cool que surfava às escondidas do seu povo. Tinha uma ilha só para ele, salpicada a ouro nas montanhas verdejantes e ondas perfeitas lá em baixo, no oceano. Regularmente, sem que a corte daquele reino do Império Alemão do séc. XIX desconfiasse, sob pena de ser decapitado, reunia a família e arrancava na sua carrinha VW Pão de Forma branca e vermelha rumo ao seu destino, alimentando sempre uma viagem introspecta: “Desejo continuar a ser um eterno enigma para mim e para os outros.”

Esta é a narrativa que Ricardo Nogueira [esquerda na foto], artista plástico mais conhecido por Zero, Zero, Zero (ZZZ), recriou na exposição “Golden Times”, patente no wine bar Vira Copos, na Ericeira, até ao final do dia de hoje. A ideia surgiu durante uma visita a uma loja de antiguidades na Ericeira, gerida por gentes da paróquia. Entre as peças à disposição estavam livros antigos e um deles era a biografia de Luís II da Baviera, que reinou aquela região entre 1864 e 1886 e proferiu aquela frase enigmática, até hoje a sua citação mais conhecida. O livro estava ilustrado com imagens antigas, daquelas que lhe dá “gozo recortar e colar”. Captaram o interesse criativo de Ricardo Nogueira, que logo recriou a história na mente. “O rei fazia surf e skate, que é a minha cultura, era um bacano. Mas tinha que ter aquela atitude de rei, então fazia as coisas mais ou menos secretamente. Foi por aí que viajei, misturando o tempo e o espaço”, divaga o artista durante um café com a AZUL.

O espaço de ZZZ na “Golden Times” é de reflexão e contemplação de um tempo e eventos que não vivemos. Por um lado, há o questionamento sobre a interpretação individual da riqueza e luxúria na história do rei – “as ilhas estão pejadas de ouro, mas para nós surfistas o que conta são as ondas” – e as restantes obras explanam a influência punk e o ataque mordaz ao imperialismo norte-americano e ao consumismo moderno que caracterizam os trabalhos de Ricardo Nogueira. “Faço muitas vezes um exercício de não ter senso e ser uma coisa que faça não só rir, mas também não rir. Eu também tenho um lado que faz quase engolir em seco, gosto de ir lá tocar na ferida”, define-se.

Os trabalhos de ZZZ fazem-se de colagens, stencil, manipulação de obras existentes e subversão de mensagens e imagens. A marca singular do artista de 38 anos já captou a atenção de alguns coleccionadores e a obra “Happy Family” foi vendida no primeiro dia da exposição a um comprador anónimo que, segundo o intermediário, detém um luxuoso espólio.

MEMÓRIAS DE ONTEM

Se a exibição de Ricardo Nogueira prefere brincar com épocas que, para nós, não existiram, Gonçalo Osório privilegia elementos que nos rementem para vivências e memórias de vida. Tem fotografias redesenhadas com tinta da china, colagens com materiais antigos e reutilizáveis que vai encontrando por onde passa, madeiras trabalhadas, relógios de pulso desmembrados e até memorabilia sonora. “Fui buscar influências à minha vivência, ao que eu gosto e ao que dou valor. Dou valor à amizade, aos bons momentos, aos momentos que temos para nós mesmos e à criação. Acho que não somos mais que um conjunto de experiências, conforme experimentamos vamos criando o nosso ser, a nossa forma de estar na vida, de ver o mundo”, descreve o artista sobre os seus trabalhos na “Golden Times”.

Os dois artistas, que se conhecem há vários anos, têm na aura marítima da Ericeira o elo que aproxima os seus trabalhos. Gonçalo Osório tem um projecto paralelo, o Oceanglider, onde a influência das ondas é ainda mais evidente e Ricardo Nogueira já definiu na mente uma exposição exclusivamente dedicada à vila. No futuro, os artistas esperam voltar a colaborar e a celebrar os tempos dourados.