Tempestade Hércules relança debate sobre erosão do litoral português

Tempestade Hércules Julião. - ph. Luís Rodrigues

 

Fotografia: Luís Rodrigues

 

Há precisamente uma semana, a tempestade Hércules assolou a costa portuguesa, destruindo paredões, passadiços e estabelecimentos comerciais junto ao mar. No rescaldo do temporal, a imprensa portuguesa foi à procura de respostas sobre um fenómeno pouco visto em Portugal e as possíveis soluções para evitar prejuízos com futuras intempéries.

 

As ondas do Hércules

No Inverno, Portugal recebe frequentemente ondulações grandes, embora as dimensões sejam inferiores às verificadas com a tempestade Hércules. Segundo as medições recolhidas pelas bóias do Instituto Hidrográfico, as ondas atingiram um máximo de 15 metros de altura e um intervalo de propagação de 25 segundos. Este período tornou as ondas mais compridas, fazendo o mar chegar a terra com mais metro a metro e meio de água. Em épocas de mar bravo, o período habitual das ondas atinge apenas 10 a 12 segundos. “Vimos pessoas nos vídeos online a falar em tsunamis e, embora não seja comparável, há aqui um paralelo com as ondas de longos períodos que caracterizam esses fenómenos”, explicou ao jornal Público Fernando Veloso Gomes, especialista em Hidráulica Costeira.

 

Alterações climáticas

O significativo aumento do nível do mar testemunhado pela tempestade Hércules traz a debate os fenómenos climáticos extremos. E entre diversos especialistas parece não existir dúvidas quanto ao aumento da frequência com que estes eventos podem ocorrer. Ao jornal i, o tenente Quaresma dos Santos, do Instituto Hidrográfico, declarou que “as alterações climáticas apontam para depressões mais cavadas, o que aumenta a intensidade do vento”. Terá sido o vento que tornou mais severa a primeira tempestade de 2014. Por outro lado, o Diário de Notícias recordou o último relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas sobre as previsões relativas à subida do mar: a estimativa é de que, até 2100, o nível das águas aumente entre 26 e 82 cm.

 

Erosão da costa portuguesa

Ao Diário de Notícias, Filipe Duarte Santos, especialista em clima, relembrou que 67% da costa portuguesa corre um risco significativo de erosão. Já em declarações ao jornal i, o mesmo investigador afirmou que falta um conhecimento científico rigoroso sobre o fundo do mar e a forma como as ondas quebram consoante a geografia dos terrenos. E cita o caso da Holanda (onde 40% do território assenta abaixo do nível do mar) como exemplo sobre como contornar o avanço do mar sem soluções remediadas. “Se [os holandeses] não tivessem construído diques de betão ao longo de toda a costa, todos os Invernos ficavam inundados. Injectar areia é uma solução que pode durar uns dois anos, mas não funciona”, explicou.

 

Investimento na orla costeira

Os efeitos do avanço do mar sobre o litoral português têm dividido opiniões ao longo dos anos sobre o investimento na protecção da orla costeira. Governo e autarquias têm apostado em pequenos remendos à medida que grandes ondulações vão mexendo com a geografia das praias. A aposta tem sido sempre o depósito de areia nas praias, a construção de dunas e o reforço de pontões e paredões. Contudo, estas soluções acabam, invariavelmente, por conduzir a novas intervenções ao fim de poucos anos, por não representarem uma solução de longo prazo. Depois da tempestade, o ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, anunciou 313 intervenções ao longo da costa nacional, num investimento de 300 milhões de euros. O governante adiantou ainda que 20% do próximo quadro de fundos comunitários será utilizado na prevenção de alterações climáticas. Por outro lado, a Associação Nacional de Conservação da Natureza (Quercus) exigiu que o balanço sedimentar da costa seja restabelecido, para que os processos costeiros ocorram naturalmente, bem como a deslocalização de pessoas e bens para zonas mais interiores. Estas demandas constam de um comunicado em que a associação reclama que não sejam gastos mais 300 milhões de euros de dinheiros públicos em soluções de curta duração.