Fotografia: Vanlife Productions
“A percepção e avaliação da Reserva Mundial de Surf da Ericeira: contributos para o Ordenamento do Território”, é este o título da Dissertação de Mestrado em Gestão do Território de Inês Madaíl Carapinha, avaliada com a nota de 17 valores pelo júri da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Datado do final de 2018 e, portanto, plenamente actual, o resumo deste estudo é antecedido por algumas palavras da poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen (cujo centenário do nascimento se comemora durante este ano e que tinha no mar umas das suas grandes fontes de inspiração), das quais passamos a transcrever o seguinte trecho:
Sei que seria possível construir a forma justa / De uma cidade humana que fosse / Fiel à perfeição do universo.
Da utopia à realidade vai uma distância, maior ou mais pequena conforme a vontade e sensibilidade dos homens, pelo que a autora desta tese avançou para a realização de inquéritos a utilizadores de duas das ondas da Reserva consagrada em 2011 (Ribeira d’Ilhas e Coxos) e, ainda, a entrevistas aos principais stakeholders da mesma, que visa preservar e promover sete ondas de qualidade ímpar situadas entre as praias da Empa e de São Lourenço.
Das entrevistas transparece que, da preservação ao marketing, a RMSE é um elemento de dualidades: se para alguns dos interessados representa uma oportunidade, para outros é sobretudo uma ameaça, resultando da forte participação dos agentes locais a tomada de importantes decisões em relação ao surf em conjunto com a administração local.
Como se pode ler no final da página 52 da dissertação, “o factor natural das ondas da Ericeira não só revela ser um elemento potencial para desenvolvimento económico e social local como também para o país (…) A necessidade de organizar o espaço tem sido levantada pelos surfistas e não surfistas locais que, por um lado, agarram a oportunidade para explorar os seus negócios associados ao turismo mas, por outro lado, assistem à afectação do seu quotidiano pelo aumento do turismo, grande movimento de população, sazonal ou permanente, aumento das construções e do custo do solo urbanizável, trânsito, falta de estacionamento, entre outros factores inerentes a esse desenvolvimento.”
No final do resumo (página 4) é também possível concluir que “se não fosse a Reserva Mundial de Surf da Ericeira muito dificilmente o Programa da Orla Costeira Alcobaça – Cabo Espichel (que funde num único programa os três Planos de Ordenamento da Orla Costeira ainda em vigor: POOC Alcobaça – Mafra; POOC Cidadela – São Julião da Barra; e POOC Sintra– Sado) teria regulamentado ondas do nível I e II (…) Assim, pela primeira vez serão regulamentados os sítios das ondas, uma inovação não só à escala nacional como à escala europeia.”
Entre oportunidades e ameaças, vantagens e problemas se constrói o presente e futuro da RMSE, nas palavras da autora Inês Carapinha “um projecto de sensibilidade ambiental que tomou o caminho que menos se pretendia”.
A falta de regulamentação e de legislação nos planos de Ordenamento do Território para a RMSE é referida, muito a propósito, como um dos principais pontos negativos, já que a ausência de estatuto legal deste conceito (é uma Reserva sem atributo jurídico quer a nível da conservação quer a nível de integração das Áreas Protegidas) não permite acautelar o aumento da pressão urbanística e turística na área classificada. A isto soma-se também a ausência de financiamento específico para a implementação e manutenção da Reserva, o que tem contribuído para a degradação das condições existentes.
A Ericeira, enquanto pioneira no conceito de Reserva Mundial de Surf em Portugal e na Europa, enfrenta grandes desafios, uma vez que esta é a primeira vez que se regulamentam as ondas. Gerir de forma estratégica, considerando os valores económicos, sociais e ambientais e compatibilizar todos os interesses conflituantes seria um grande passo em relação ao surf nos assuntos do Ordenamento do Território.
SETE CONCLUSÕES PARA SETE ONDAS:
- É indiscutível a importância percepcionada da RMSE para o território onde se insere ao mesmo tempo que defronta um grande desafio ao nível do Ordenamento do Território
- A RMSE é vista como imagem de marketing e não no sentido de preservar, assim como de sensibilizar a comunidade local e de visitação.
- O factor “ondas” é um elemento muito importante para a região, conduzindo a uma nova dinâmica na economia regional e local, garantindo uma atractividade económica ao sector que combate o turismo sazonal.
- A administração local deverá considerar as condicionantes da orla costeira e cumprir as restrições indicadas no Plano de Ordenamento da Orla Costeira e no Programa da Orla Costeira Alcobaça – Cabo Espichel (POC-ACE), aprovado em Conselho de Ministro a 14 de Março deste ano.
- O Plano de Gestão já realizado no âmbito da RMSE deverá ser adaptado ao Regulamento de Gestão do POC-ACE.
- A RMSE é um valor acrescentado de grande potencial para a região, necessitando porém de ser acautelados diversos aspectos, nomeadamente os relacionados com o Ordenamento do Território – caso contrário, serão esses factores de atracção da área que irão estar igualmente na base da sua degradação e desqualificação.
- Existe uma grande sensibilização por parte dos principais stakeholders, embora com expectativas e valores diferentes. Mas esta convergência na importância do recurso surf deve ser aproveitada para a construção de uma plataforma de entendimento, que através de medidas de Ordenamento do Território possa conduzir a um desenvolvimento harmonioso e sustentável duma área cada vez mais valorizada.