Fotografia: AZUL
Foi já em Janeiro que Paulo de Carvalho se apresentou ao vivo na Ericeira, no âmbito da iniciativa musical “Quartas Perfeitas”, promovida pela Câmara Municipal de Mafra. A AZUL aproveitou esse concerto para conversar com um dos músicos nacionais mais importantes das últimas décadas. No início de Fevereiro, editou um novo disco, intitulado “2020”, no qual conta com diversos convidados. Nesta entrevista deixámos a inspiração pandémica de parte e falámos sobretudo sobre a sua reconhecida carreira artística e a política, tendo existindo ainda espaço para outros temas.
Em primeiro lugar gostaria de lhe perguntar como é que se faz o balanço de 60 anos de carreira musical e se gostaria que o víssemos por aqui, a celebrar 70 ou mesmo 80 anos de carreira?
Como é que se faz o balanço? O balanço eu não sei como é que se faz. Faz-se indo, fazendo o melhor possível pela nossa profissão, neste caso a música. Tenho a sorte de gostar do que faço e isso ser considerado uma profissão. O balanço é difícil de fazer a esse nível. Agora, em relação à segunda pergunta… Não, não. Não faz sentido e não faz sentido por vários motivos. Porque o corpo não vai dando as mesmas respostas todos os 10 anos, vamos dizer assim, pelo menos para mim. Portanto, não, acho que não faz sentido. Ainda que, voltando um pouco ao princípio, à primeira pergunta, como eu gosto do que faço, enquanto puder fazer, vou fazendo.
acho que se inventam demasiadas coisas hoje em dia porque, provavelmente, as pessoas não têm mais nada sério para fazer
Era aí um bocadinho que queria chegar. A sua carreira garante-lhe um lugar de destaque na história da música portuguesa, por diversos motivos, incluindo a primeira senha para a Revolução de Abril. Gostaria de dizer algo sobre as próximas eleições legislativas?
Quer dizer, vamos lá ver, primeiro ponto: nada me garante que uma profissão como esta seja uma profissão em que tudo está garantido. Porque isto depende muito da fama que nós temos e essa fama tem muito a ver com a divulgação pelos meios de comunicação social, fundamentalmente. Porque o público esquece-se com facilidade daquilo que nós vamos fazendo e eu sei do que é que estou a falar.
Agora, em relação às próximas eleições, não faço ideia. Eu sou do tempo… Quer dizer, o meu tempo é agora, mas já apanhei quatro grandes líderes políticos, onde um debate era uma coisa com nível. De há uns anos a esta parte os debates deixaram de ser com nível e os meios apresentados por uns e por outros, contra os outros, são coisas baixas. Muito baixas, até.
Portanto, não espero nada destas eleições. Espero que o povo vá votar, porque se votassem os tais cinquenta e qualquer coisa por cento, mesmo se votassem em branco, mesmo não se revendo em nenhum partido, eu penso que seria bom e que isso traria uma preocupação a todos estes políticos que mandam em nós.
“O Facho”, título do single em vinil que lhe trouxe para autografar, foi lançado em 1975 e continua actual em vários sentidos, não lhe parece?
Opá, eu acho que até já passou de moda.
Digo-lhe isto porque continuam a existir muitas pessoas que viram a casaco e vendem a alma…
Isso haverá sempre. Isso é da condição humana. Naquela altura fazia sentido cantar aquele facho, que antes do 25 de Abril estaria numa condição e teria uma forma de, enfim, estar na vida… Anos depois, já estava noutro lado a fazer outras coisas mais adequadas às suas necessidades, vamos dizer assim. E hoje em dia é a mesma coisa. Isso é a condição humana. É mudar em função daquilo que lhe possa trazer qualquer coisa. Ou seja, há pouca coerência no dia a dia, na maioria das pessoas.
Paulo de Carvalho deu voz ao hino do poder local, da Associação Nacional dos Municípios Portuguese. Prometo que esta é a última pergunta com ligações políticas…
Não, todas. Atenção, vamos ver uma coisa. Tu podes pôr isso e acho que deves pôr. É uma forma de dizer às pessoas que política é tudo. Política partidária é que eles podem não gostar. Agora não me venham dizer que não percebem nada de política, porque quando protestam e dizem que o bife está mais caro, estão a fazer política.
o poder local está muito mal, muito obrigado
Exactamente…
Portanto, é bom que aprendam também umas coisas, não é que eu saiba muito, mas já tenho idade para saber isto.
Considera que o poder local tem cumprido os ideais de Abril?
Não, claro que não. Claro que não tem. Eu ainda passei por um tempo em que, falando de poder local, os habitantes de uma rua, quando necessitavam de alcatrão para essa rua, que era toda cheia de pedras, iam à Junta de Freguesia, levavam o alcatrão que era pedido à junta e eles próprios faziam a sua rua. Isso é muito poder local, para mim. Depois, vieram uma série de políticos que nos devem ter dito qualquer coisa como “vocês não se chateiem, paguem os impostos que nós fazemos”. E nós pagamos os impostos e eles não fazem. Portanto, o poder local está muito mal, muito obrigado. Em alguns sítios, algumas coisas se farão. Se 50 ano depois do 25 de Abril os senhores que ganham dinheiro à nossa custa e têm cargos à nossa custa não fizessem qualquer coisa nas terras onde, enfim, mandam, vamos dizer assim…
O Paulo de Carvalho tem alguma ligação à Ericeira ou ao concelho de Mafra?
Não, não tenho. É um lugar que de vez em quando visito. Tenho aí um ou outro amigo e é um lugar muito bonito, mas não dá para vir para aqui todos os dias, até porque, quando todos nós podemos vir, isto está cheio. E não se pode andar, não se pode arrumar carros, não se pode… Porque hoje em dia todos vimos de carro, os transportes públicos são o que são e não adianta apanhar uma camioneta para vir para a Ericeira porque depois perde-se para aí uma hora ou mais para chegar aqui. De maneira que é bom vir para aqui, quem tem essa possibilidade, durante a semana. Aos dias de semana é muito bom vir para aqui.
Como é ter dois filhos que seguiram as suas pisadas na música?
Acho perfeitamente normal. Eu tenho cinco filhos, ao todo. Há dois, enfim, um até é muito conhecido, a outra não é tanto, ainda que cante muito bem: a Mafalda canta muito bem. Mas não quer fazer disto vida e eu respeito. Aliás, como respeito todas as pessoas desde que não façam mal às outras. É perfeitamente normal, a mim interessa-me é aquele lugar comum, quero é que eles sejam felizes. E eles dois são. Os outros também são. Mas estes dois são, fundamentalmente, que é o que me interessa, sérios no que fazem. Podiam, sei lá, fazer parafusos ou serem barbeiros, desde que fossem sérios, isso é o que me interessa.
O Paulo, ao longo destas seis décadas, tem sempre acompanhado o espírito dos tempos: gostava de lhe perguntar se concorda com a denominada linguagem neutra ou inclusiva?
O que é isso? Tem a ver com… o chamar vários nomes em função daquilo que cada um quer ser sexualmente?
É, por exemplo, a sua canção “Os meninos do Huambo” ficar “Es menines de Huambe”.
Epá, não percebo. Francamente, não sei o que é. Nunca falei disso. Você está a pôr isso pela primeira vez, está a falar dessa questão… Nem sei o que isso quer dizer. Acho que se inventam demasiadas coisas hoje em dia porque, provavelmente, as pessoas não têm mais nada sério para fazer. De maneira que andam a fazer isso. É isso e, sei lá, tantas outras coisas. Uma das coisas que me está a preocupar neste momento é a decisão de quem manda em nós de pôr não sei quantas casas de banho nas escolas em função de cada género. Acho uma estupidez. Quanto muito, três: homens, mulheres e quem achar que deve ir à outra. Era isso que devia ser. Mas pronto, isto é tudo, acaba por não ser complicado. Eu vou provavelmente dizer uma coisa que muita gente vai atacar. Mas, fundamentalmente, o que eu acho é que isso é tudo muito estúpido. Não valia a pena andarmos para aí a puxar tanto pela cabeça para fazer uma coisa estúpida.