Texto: Filipa Teles Carvalho
Fotografia: Cortesia da Comissão de Festas
A lenda é antiga e fala-nos de uma imagem da Virgem, oriunda de Nazareth, na Palestina, que um monge teria trazido no século IV. A narrativa que suporta esta fé e a convicção de milhares de peregrinos sustenta que teria sido esculpida no Oriente por São José, na presença da Mãe de Cristo.
D. Fuas Roupinho, séculos depois, seria o nome associado em Portugal a esta devoção. Em agradecimento, ter-se-á juntado a uma peregrinação que dura até hoje e move milhares de pessoas e une na fé os corações de muitos na Ericeira.
A Lenda e a Fé
De acordo com a Confraria da Nossa Senhora da Nazaré, na manhã de 14 de Setembro de 1182 D. Fuas Roupinho caçava, perseguindo um veado que desaparece repentinamente num pesado nevoeiro vindo do mar.
D. Fuas ter-se-á visto subitamente só, no topo duma falésia, à beira do precipício. Reconhecendo o local – estava ladeado por uma gruta na qual se venerava uma imagem de Nossa Senhora –, terá rogado sinceramente pelo seu auxílio. Segundo a mesma lenda, “imediata e milagrosamente o cavalo estancou fincando as patas no bico rochoso suspenso sobre o vazio, o Bico do Milagre, salvando-se assim o cavaleiro e a sua montada da morte certa que adviria de uma queda de mais de cem metros. D. Fuas desceu à gruta para agradecer e de seguida mandou os seus companheiros chamar pedreiros para construírem sobre a gruta, em memória do milagre, uma pequena capela, a ‘Capela da Memória’, para ali ser exposta à veneração dos fiéis a milagrosa imagem.”
A imagem terá sido desde então venerada, dado origem ao nome do lugar: Sítio de Nossa Senhora de Nazareth, posteriormente Nazaré.
Atraídos pela fama do milagre vieram os primeiros romeiros, motivados por uma fé que dura até aos nossos dias.
O Círio da Prata Grande
O Círio começou na Paróquia da Igreja Nova (não se sabe exactamente há quantos anos) quando um morador do Penedo da Arrifana, que ouvira falar da devoção e de D. Fuas Roupinho, decide ir em romaria à Nazaré. Com a mulher doente há muitos anos e sem horizonte de cura, ter-se-á juntado aos peregrinos rumo a Nazaré, pedindo à Virgem um milagre para a sua esposa.
Tendo ouvido resposta à sua prece, participa na peregrinação nos anos seguintes – em agradecimento –, levando com ele mais companheiros, enraizando assim um movimento que dá origem ao Círio da Prata Grande – com compromisso aprovado em 1741 e que contabiliza 17 freguesias: 13 do Concelho de Mafra, três de Sintra e uma de Torres Vedras.

Os cavalos são uma das marcas desta festa, aqui em pleno centro da vila da Ericeira, no ano de 1999.
Freguesias que constituem o Círio da Prata Grande
Concelho de Mafra: Cheleiros; Encarnação; Ericeira; Carvoeira; Alcainça; Sobral da Abelheira; Santo Estevão das Galés; Gradil; Azueira; Enxara do Bispo; Igreja Nova; Mafra; e Santo Isidoro
Concelho de Sintra: Montelavar; Terrugem; e São João das Lampas
Concelho de Torres Vedras: São Pedro da Cadeira
Ericeira, 2016: 17 anos depois
Depois de São Pedro da Cadeira, em Torres Vedras, ter encerrado as celebrações de despedida, a Ericeira recebe a Imagem a 17 de Setembro, celebrando-a durante mais de uma semana, até ao dia 25.
Estas comemorações são vividas profunda e espiritualmente na vila. As missas e orações diárias assumem o principal destaque do programa das festividades que trazem e movimentam milhares de pessoas.
Para os devotos, as memórias e o tempo que decorre entre a vinda da imagem e o seu regresso são pontos fortes nesta comemoração, especialmente a chegada da Imagem – que vem numa carruagem denominada Berlinda – e a sua partida, que sucederá no próximo Verão, já em 2017.
Muitos fiéis sentem que é a última vez que presenciam estes momentos, o que desperta e alimenta uma forte e genuína emotividade entre a comunidade.
Uma das orações:
“Nossa Senhora da Nazaré, Mãe do silêncio e da humildade, protege e santifica as nossas famílias.
Envolve-nos no teu manto, comunica-nos a fortaleza da tua Fé, a grandeza da tua esperança e a profundidade do teu amor. Permanece com os que ficam e parte com os que vão. Conforta-nos com o teu sorriso e enxuga as nossas lágrimas com as tuas carícias de mãe. Ámen.”
A Ericeira recebeu a Imagem pela última vez em 1999, respeitando a tradição de uma festa realizada de 17 em 17 anos em cada uma das freguesias.
Entre diversas orações, celebrações e eucaristias, as procissões deverão constituir os momentos mais marcantes das festas – logo no dia 17, atravessando várias localidades entre S. Pedro da Cadeira e a Ericeira; na tarde seguinte, percorrendo as ruas da Ericeira; e a emblemática Procissão das Velas, na noite de 20 de Setembro.

Estandarte da Nossa Senhora da Nazaré oferecido à Comissão de Festas, que já convidou a população a ornamentar portas e janelas com flores brancas e azuis.
Fazem igualmente parte desta festa, que integra uma extensa programação, concertos e outros espectáculos e iniciativas, como pode ler no artigo de lançamento desta celebração já publicado pela AZUL.