“Nos meios pequenos como a Ericeira existe maior solidariedade”

Vítor Ágoas. - ph. AZUL

 

Texto: Paulo Galvão | Fotografia: AZUL

 

A cerimónia que assinala o início de mais um ano lectivo dos Estudos Gerais da Misericórdia da Ericeira decorreu no passado fim-de-semana, na Igreja da Misericórdia. Tendo esta ocasião como pano de fundo, a AZUL entrevistou o Provedor Victor Ágoas, que alertou para os efeitos da crise na vida daqueles que mais precisam. Anunciou ainda que o Ericeira Domus – Residências Assistidas passará a integrar a Misericórdia.

 

Como é que se começou a envolver com a Misericórdia e como é que, residindo em Lisboa, consegue desempenhar estas funções na Ericeira?

Faço parte da Irmandade há muitos anos, sem nunca ter desempenhado qualquer actividade. Há sete anos decidi aceitar a responsabilidade de liderar a Mesa Administrativa da Misericórdia. É para mim uma honra poder contribuir, em conjunto com uma vasta equipa de irmãos, funcionários, voluntários e amigos, para que a Misericórdia da Ericeira, prestes a cumprir 335 anos de existência, possa continuar a cumprir  tudo aquilo que o seu compromisso estabelece – a prática das 14 Obras de Misericórdia. Isto é possível com algum esforço pessoal e a ajuda dos modernos meios de comunicação.

 

A Misericórdia da Ericeira tem sentido que, com a crise, há mais gente a precisar de ajuda?

A crise financeira veio evidenciar outras crises, por vezes de idêntica ou maior dimensão. Vivemos uma época de crise de valores morais, éticos, culturais, familiares. Há mais solidão, há mais carências alimentares, de saúde, de acesso a outros bens que ainda num passado recente a maioria sentia como dados adquiridos. As alterações demográficas e políticas, o desemprego especialmente jovem, a longevidade, criam outras necessidades a que a Misericórdia tem que estar atenta e que tem de procurar actuar.

A crise financeira veio evidenciar outras crises, por vezes de idêntica ou maior dimensão.

Que serviços presta a Santa Casa junto dos jagozes?

A Misericórdia procura, em toda a sua actividade, apoiar os mais necessitados através de uma redistribuição de bens. Todo o apoio que recebemos da Segurança Social, do Banco Alimentar, de doações de particulares e do rendimento que retiramos do seu património permitem-nos apoiar os que mais precisam. Quem pode pagar um pouco mais pelos serviços de que usufrui, permite que possa ser apoiado quem tem menos. Distribuimos diariamente refeições gratuitas a pessoas e famílias mais carenciadas; arrendamos habitação a preços baixos; procuramos ter uma gestão rigorosa e sustentável, com algumas actividades lucrativas, para cada vez mais podermos ajudar quem mais precisa perante uma realidade presente, e provavelmente maior no futuro, de falência parcial do Estado Social.

 

Tal como nas grandes cidades, a solidão e o isolamento são um problema? Há casos de idosos abandonados à sua sorte e negligenciados?

É uma evidência e que não se limita aos mais desfavorecidos social ou economicamente. Isto cada vez mais acontece no seio das próprias famílias. Felizmente nos meios populacionais mais pequenos como a Ericeira existe maior solidariedade e estes problemas podem ser mais facilmente detectáveis.

 

Quanto custa ser velho na Ericeira? 

A idade sénior não devia constituir um custo, nem para a sociedade, nem para a família. Devia ser uma retribuição do investimento feito durante a vida activa, da responsabilidade do próprio, da família e da sociedade. A Misericórdia tem um serviço de Lar (Centro de Bem Estar) e Serviço de Apoio Domiciliário (365 dias por ano), ambos protocolados com a Segurança Social, e Centro de Dia. A Misericórdia também passará a ter o Ericeira Domus – Residências Assistidas. Os serviços protocolados têm preços que resultam das regras aplicadas pela Segurança Social e que resultam de um cálculo efectuado pelos nossos serviços com base na capacidade financeira do utente e da família. Os serviços não protocolados têm tabelas estabelecidas pela Misericórdia e que podem ser muito variáveis, só podendo ser estabelecidos caso a caso.

 

É possível dinamizar as potencialidades do Arquivo-Museu da Misericórdia? Quais são as dificuldades em termos operacionais?

O Arquivo-Museu da Santa Casa da Misericórdia da Ericeira, fundado em 1937, detém um valioso espólio de arte sacra bem como um polo interessante de aspectos ligados ao mar. Existe também um arquivo documental histórico que tem constituído uma fonte de consulta e informação de interesse académico. É nossa opinião que o interesse cultural e turístico para a Ericeira e Concelho de Mafra deveria levar as autoridades e a indústria hoteleira a prestar um maior apoio à Misericórdia para a abertura ao público de forma mais alargada. Os custos elevados com a manutenção, conservação e restauro impedem-nos de optimizar as potencialidades de todo este património.

 

Os Estudos Gerais são uma espécie de Universidade da terceira idade mas para todas as idades?  

Os Estudos Gerais da Ericeira funcionam desde o ano de 2008 nas instalações do Centro de Apoio Social (CAS), constituindo aquilo que é vulgarmente conhecido por Universidade Sénior. No seu programa lectivo existem variadas disciplinas leccionadas por um corpo docente quase exclusivamente voluntário, como de resto a sua direcção executiva. Destina-se a seniores, embora tenha disciplinas como a iniciação à informática que também são destinadas a alunos mais jovens. No mesmo local funciona igualmente um Centro de Convívio para idosos destinado a jogos, leitura e ocupação de tempos livres. Devo destacar o Núcleo de Voluntariado da Misericórdia, destinado a pessoas de todas as idades e que pode envolver actividades variadas, desde as sociais às culturais.

Vítor Ágoas. - ph. AZUL