BB20, a casa na Ericeira que não pára de dar que falar

 

Fotografia: DR

 

Nos últimos tempos, a Ericeira tem estado no centro das atenções do país por mais do que as suas praias, surfistas e indústria de pesca. Afinal, é numa casa da Ericeira (mais concretamente em Marvão, freguesia de Santo Isidoro) que se encontram os concorrentes do novo reality show da TVI, o Big Brother 2020. O programa televisivo segue o dia-a-dia de 18 concorrentes e tem vindo a ganhar destaque nas últimas semanas. Depois de uma polémica envolvendo o concorrente Hélder, o BB20 registou uma subida no número de audiências, atingindo um share de 12,8%. Ainda que o BB20 esteja muito aquém de outros sucessos da estação televisiva, a opinião pública tem sido incansável no momento de analisar e criticar aquele que muitos acreditam ser um projecto nefasto e sem qualquer tipo de interesse cultural.

A premissa do Big Brother 2020 é bastante simples: 18 pessoas com personalidades fortes e distintas são confinadas no mesmo espaço, e os telespectadores têm a oportunidade de assistir ao desenrolar de diversos desentendimentos e polémicas. No papel de mestre de cerimónias está Cláudio Ramos, que assume a posição que anteriormente pertencia a Teresa Guilherme, e que tem como função dissecar os principais acontecimentos de cada dia e interrogar os concorrentes. Embora o sucesso do BB20 tenha ficado abaixo das expectativas, o reality show mereceu a atenção de mais de 500 mil portugueses e tem vindo a ganhar destaque nos jornais portugueses devido à alegada homofobia de um dos concorrentes.

 

O caso Hélder

O BB20 assume-se como um programa em que os vários tipos de cidadãos portugueses são representados. De facto, o reality show apresenta um painel bastante diverso de concorrentes. Desde uma empresária de Tavira, passando por um jovem que estabeleceu carreira a jogar poker e bilhar de forma profissional, existem candidatos para todos os gostos. Mas nos últimos dias os concorrentes Hélder e Edmar têm estado no centro das atenções. Depois de Hélder, um “metrossexual assumido” de Santa Maria da Feira, ter proferido comentários homofóbicos, o painel de apresentadores do programa perguntou aos portugueses se o concorrente devia ser expulso da casa. A opinião pública dividiu-se, mas a votação revelou que 47% dos portugueses acreditavam que Hélder devia ser expulso e 53% pensavam o contrário. O resultado da votação indignou Edmar, um concorrente que vive em Londres e que é homossexual. Além disso, agitou as colunas de opinião da imprensa portuguesa, reabrindo o debate acerca do que constitui discurso de ódio e de que forma este deve ser punido.

Pedro Miguel Coelho, fundador do site de notícias Espalha-Factos, escreveu um artigo acerca do caso. Nele, focou-se em apresentar os motivos pelos quais considerava os comentários do concorrente Hélder nefastos, alongando-se ainda numa crítica ao comportamento da TVI. Se inicialmente parecia que a estação televisiva estava prestes a condenar os comentários de Hélder, rapidamente ficou claro que a TVI procurou, como Miguel Coelho aponta, “capitalizar a polémica”. Miguel Coelho escreveu com justiça que, “em vez de expulsar o infrator e transmitir uma mensagem clara sobre os valores que defende”, a TVI decidiu colocar a responsabilidade nas mãos da opinião pública, abrindo uma linha de valor acrescentado para esse objectivo. No final, a estação televisiva lucrou duplamente com a polémica: directamente através do contacto telefónico daqueles que votaram e indirectamente através do aumento do número de audiências.

 

O que constitui discurso de ódio?

Mais do que uma análise do comportamento individual de um cidadão português (neste caso um concorrente de um programa televisivo), o caso Hélder é uma polémica que nos obriga a reconsiderar aquilo que consititui discurso de ódio e de que forma este deve ser punido. O discurso de ódio consititui um crime em Portugal e tem vindo a ser utilizado em instituições públicas que vão muito além de um reality show como o Big Brother. Nomeadamente, têm alegadamente feito parte do posicionamento político do deputado do Chega André Ventura, que foi recentemente ilibado de duas queixas-crime por discriminação racial apresentadas junto do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa. Esta notícia, assim como a aparente impunidade do concorrente do BB20 Hélder, parecem apontar para um facto preocupante: o de que as instituições portuguesas ainda não estão preparadas para lidar com crimes de discurso de ódio.

Mas, afinal, o que é o discurso de ódio? Na sua acepção filosófica, apontada inicialmente pelo pensador John Stuart Mill, o discurso de ódio, ou hate speech, é todo o tipo de discurso que ignora a razão de modo a atacar de forma violenta as características inerentes a um determinado grupo social. Estas características são indissociáveis do indivíduo. O ataque racial, por exemplo, constitui um discurso de ódio porque ataca de forma vil as características essenciais que moldam a identidade de uma pessoa. O mesmo se pode dizer do discurso contra homossexuais, mulheres ou grupos étnicos. A linha que nos permite identificar o que constitui ou não discurso de ódio já parece estar traçada há muito tempo; mas a questão central continua a impor-se: estará a nossa sociedade preparada para lidar de forma legal com o hate speech?