O regresso às aulas

 

Texto: Ana Catarina Baleia | Fotografia: DR

 

Chegou a hora da maioria das nossas crianças retomar o que deixaram abruptamente a dia 16 de Março de 2020: as aulas presenciais na escola.

Todos nós deveríamos tirar algum tempo para nos colocarmos nas mentes das crianças em idade escolar, dos pré-adolescentes e dos adolescentes.

Muitas das nossas crianças em idade escolar, que olham para o adulto como a maior segurança que possuem, viram e sentiram da parte destes aquilo que foi legítimo sentirmos: a dúvida. E nem por um segundo as nossas crianças deixaram de acreditar nem irão fazê-lo, porque a ambição de viver está muito acima de qualquer medo ou ansiedade.

E não nos inspiraram desta forma?

Os nossos pré-adolescentes e adolescentes foram sensíveis a tudo, e numa idade onde reina a dúvida, numa idade onde constroem a sua personalidade e em que faz parte questionar tudo o que os rodeia, eles não questionaram e cumpriram.

as nossas crianças estão preparadas para se reinventarem

E não nos inspiraram a reinventar-nos?

A palavra e sentimento que melhor assenta às crianças e adolescentes é liberdade. E esta foi-lhes retirada em boa medida.

Existe um local onde a nossa liberdade não tem como ser retirada, nem constitui qualquer perigo, ajudando-nos muitas vezes a chegar a mundos que podem ajudar-nos à reestruturação daquilo que será, agora, a nossa forma de agir enquanto sociedade: a nossa mente.

Conscientes, ao nível da sua tenra idade, as nossas crianças estão preparadas para se reinventarem novamente, regressando fisicamente à escola.

Durante o período de confinamento estiveram com a mente concentrada nas mudanças a que se habituaram, assim concluindo o ano lectivo. Agora o regresso será apenas físico.

Escola Secundária José Saramago. - ph. DR

Conscientes das formas de propagação da COVID-19, elas estão preparadas para não receber abraços; estão preparadas (embora tristes) por não poderem usufruir do recreio; elas estão cheias de questões a que devemos responder, mesmo que a resposta seja “não sei”; elas querem regressar à sua segunda casa e serem bem acolhidas; elas estão preparadas para questionar algumas vezes o que os professores dizem porque a máscara impede a leitura dos lábios e torna-nos inexpressivos.

Mas os olhos dizem muito – tentemos sorrir com o olhar, assim como elas têm feito.

Elas sabem que têm um mundo novo à espera e também têm medo.

Qual é o herói que não tem medo?! E as nossas crianças têm sido verdadeiros heróis.

As ansiedades, as dúvidas as questões e as curiosidades… até essas vão ser diferentes. A vontade de aprender este ano é muita, elas vão querer assegurar que no futuro saberão responder ao mundo que esperará medidas conscientes e querem muito participar.

caminhemos lado a lado com os nossos petizes

Desengane-se quem pensa que elas sentem isto como um problema que os adultos resolvem.

Não! Elas também querem participar na resolução porque entendem a humanidade como um todo e sabem que o seu comportamento também contribui para o bem-estar e segurança colectivos.

Não entremos já com todas as armas apontadas a uma caça ao erro constante.

É legitimo que tenhamos medo e que se coloquem questões.

Mas tentemos ao máximo descomplicar uma situação que à partida já é extraordinária.

É absolutamente necessário que confiemos na nossa comunidade, nos nossos professores, nos agentes educativos.

Acima de tudo, confiemos nas nossas crianças.

ofereçamos a ano lectivo a tranquilidade possível e o alerta que ele merece

Agora, que estamos prestes a iniciar o ano lectivo 2020/2021, tenhamos orgulho nos passos que nos trouxeram até aqui. Não podendo abraçar as nossas crianças, vamos envolvê-las com o melhor de nós: o amor.

Elas querem ser envolvidas em segurança e aprendizagem.

Caminhemos lado a lado com os nossos petizes. Se eles nos compreenderam, chegou a vez de os compreendermos e sermos ainda mais fortes. Nunca deixem de vos questionar, e deixem-nos questionar-nos.

Ofereçamos a este início de ano lectivo a tranquilidade possível e o alerta que ele merece porque a comunidade escolar merece um regresso simultaneamente seguro e sossegado.

Bom ano a todos (quando estamos envolvidos em educação temos sempre o prazer de desejar “bom ano” a dobrar) e continuemos a fazer o melhor possível em nome do futuro.