«Gostava de ver a Ericeira com uma oferta cultural mais dinâmica e que utilize as suas singularidades»

 

Texto: Hugo Rocha Pereira | Fotografia: DR

 

João Miguel Ganhoteiro Silva é actualmente técnico de turismo na Câmara Municipal de Mafra e  Vogal do Executivo da Junta de Freguesia da Ericeira, tendo como atribuições a Educação e Juventude, e a Cultura, Tempos Livres e Desporto. Aos 24 anos já presidiu à Filarmónica Cultural da Ericeira, associação que viria a influenciar o seu percurso académico, iniciado pela licenciatura em Gestão do Lazer e Animação Turística, na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril. Esta entrevista tem como ponto de partida e foco central a dissertação “Programas Culturais e Turismo: relações e dinâmicas – o caso da Ericeira entre 2010 e 2019”, apresentada recentemente no âmbito do Mestrado em Estudos e Gestão da Cultura na Escola de Sociologia e Políticas Públicas do Iscte – Instituto Universitário de Lisboa e aprovada por unanimidade com 18 valores.

foi o melhor erro da minha vida e uma decisão tomada em menos de 24 horas

De que forma o facto de residires na Ericeira desde os 10 anos de idade e estares fortemente ligado à Filarmónica Cultural (à qual já presidiste) desde os 15 influenciou o teu percurso académico?

Influenciou mais o segundo do que o primeiro. A verdade é que desde pequeno que tive uma aptidão para as artes, e desde pequeno que me vejo como “artista”. No entanto, quando terminei o 12º ano entrei na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, na licenciatura em Química. A meio do primeiro ano desisti do curso e acabei por ir parar à Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril, por sugestão de uma amiga minha que tinha lá feito a licenciatura. Costumo dizer, em jeito de brincadeira, que foi o melhor erro da minha vida e uma decisão tomada em menos de 24 horas quando recebi a informação que tinha também sido colocado na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, no curso de Teatro – ramo de Actores. Já durante a licenciatura, mais propriamente no meu 2º ano, foi quando me candidatei à Presidência da Filarmónica, cargo que desempenhei até Fevereiro deste ano, que o conceito da Gestão Cultural começou a ficar mais claro, e entendi que seria uma forma de alinhar aquilo que era um sonho de criança de trabalhar num espectro mais criativo, com um pensamento analítico que fazia com que fosse bom com números. Para além disso, o trabalho que desenvolvi na Filarmónica resultou de muitas ferramentas que adquiri na minha formação académica, nomeadamente no âmbito da gestão de projetos e eventos.

A tua dissertação intitula-se “Programas Culturais e Turismo: relações e dinâmicas – o caso da Ericeira entre 2010 e 2019”. O que te levou a escolher este tema em específico?

Durante a parte curricular do mestrado desenvolvi muitos trabalhos com diversas temáticas, como o uso da fotografia na promoção turística ou o apoio ao associativismo cultural, e ainda trabalhei nas bases metodológicas para um eventual estudo de públicos da programação cultural do Município de Mafra. O tema para esta dissertação surgiu de uma forma muito orgânica, juntando aquilo que era o meu trabalho na Câmara Municipal, a minha experiência em diversos projectos (como o FESTUNAS, as Festas de Nossa Senhora da Boa Viagem e a própria Filarmónica, entre outros) e a minha formação académica base em Gestão de Animação Turística. Apercebi-me depois que não existia muita investigação que olhasse para a animação turística como programação cultural, e vice-versa, e como é que o Turismo e a Cultura podem trabalhar. A maior parte da biografia foca aspectos “negativos”, como o excesso de carga no património ou a apropriação cultural. O meu objetivo era abordar aspectos “positivos” e perceber como a Animação Turística pode ser uma mais-valia para um destino mais sustentável.

 

O estágio profissional nos serviços de turismo da Câmara Municipal de Mafra, onde actualmente desempenhas funções de técnico de turismo, constituiu uma mais-valia em termos de conhecimento do terreno estudado academicamente?

A presença no terreno e a proximidade com o objecto de estudo foram, ao mesmo tempo, as maiores mais-valias e as maiores fragilidades do projecto, nomeadamente do ponto de vista metodológico e da independência do estudo académico. Foi ótimo porque facilitou o acesso a muitos dados, o que de outra forma seria mais complicado, assim como permitiu ir recolhendo pequenos objectos de informação durante um ano, desde praticamente o primeiro dia do estágio. Todos os colegas (não mencionados explicitamente no estudo apenas por questões de privacidade) foram incansáveis e nunca deixaram de responder às questões e dúvidas formuladas. Também ao nível executivo, a Câmara Municipal demonstrou o seu apoio a esta dissertação desde o primeiro dia, e particularmente a Dra. Célia Batalha Fernandes, que nos dois mandatos autárquicos anteriores desempenhou funções de Vereadora do Turismo, e também inicialmente da Cultura. No entanto, decidimos (porque apesar de ser a minha dissertação, com a minha redacção e trabalho de pesquisa, todo o processo foi acompanhado pelo Prof. Doutor Frédéric Vidal e pela Prof.ª Doutora Ana Gonçalves) que tinha de ser claro, desde a primeira página, que havia um forte envolvimento dos programas no meu crescimento pessoal e que estava a tratar um assunto que me era próximo, com acesso a informação privilegiada.

é importante que todos tenham acesso à cultura

Na publicação que fizeste no Facebook revelaste a intenção de poder aplicar aquilo que estudaste: de que forma pretendes ou gostarias de aplicá-lo na prática?

De diversas formas. Gosto imenso de desenvolver programas culturais e de pensar neles de uma forma integral e holística. A cultura mexe comigo e gosto de olhar para a programação cultural, principalmente num contexto como o nosso, como um produto que tem de servir não apenas os residentes nativos mas também os estrangeiros, assim como os turistas (nacionais e internacionais) que pernoitam na Ericeira. É importante que todos tenham acesso à cultura e é necessário pensar em novas formas de fazer, apoiar e programar cultura, com conteúdos mais participativos e inter-geracionais, mais contemporâneos, sem esquecer a identidade local e a tradição.

Concluis que um destino precisa da cultura para manter a sua autenticidade e poder ser verdadeiramente sustentável. Considerando que a Ericeira tem vindo a perder muito da sua autenticidade nos últimos anos, devido a fenómenos variados, a sua sustentabilidade enquanto destino poderá estar em risco?

Um dos autores que cito na dissertação é Raymond Williams (1961), que refere num dos seus estudos que a cultura que nos chega aos dias de hoje é diferente do que é registado e ainda mais distinto do que é vivido. Isto ajuda a entender que os processos a que temos assistido não só na Ericeira, como em todo o país, nomeadamente nas zonas litorais e mais urbanas, não são processos estranhos e que são perfeitamente normais, e estudados pela Academia há já bastante tempo. Nesse sentido, a principal tarefa dos diversos agentes do destino (que não são só os órgãos autárquicos, mas também os operadores, associações e habitantes) é garantir a sustentabilidade através da preservação do património, tangível ou intangível. É por isso que o apoio ao associativismo local, nomeadamente o cultural, é tão importante. É necessário aceitar a mudança, a modernização, sem deixar de apoiar as instituições que são responsáveis pela preservação das tradições – património intangível. Do ponto de vista da sustentabilidade do território, que é também um destino turístico, acho que se tem desenvolvido um trabalho pioneiro. Mafra é o segundo concelho, em mais de 300, a ser Destino Turístico Sustentável, e não é só numa lógica ambiental, mas também económica e principalmente social. Isto não é só um “autocolante”, como costumo dizer, mas é o resultado e a verdadeira certificação que há um bom trabalho a ser desenvolvido não só pela Câmara como também pela Junta e pelos restantes agentes. Não quero dizer com isto, no entanto, que devemos deixar que se altere completamente a dinâmica arquitetónica da vila, nem esquecer certas tradições, como o Dia da Espiga ou a Caneja d’Infundice. Mas a verdade é que muito do que nos chegou aos dias de hoje é diferente daquilo que era no passado. As Festas em Honra de Nossa Senhora da Boa Viagem são o principal exemplo. São bastante recentes na história da vila. A grande festa da paróquia era, como em todas as outras terras, a do orago, neste caso São Pedro. Numa terra que tem o primeiro foral na primeira metade do séc. XIII, é apenas em 1947 (faz este ano exatamente 75 anos) que as festas ganham os contornos atuais, e até há poucos anos não existiam Festas de São Pedro, porque ficaram esquecidas pela proximidade e pela escala que as de Nossa Senhora da Boa Viagem foram tomando.

 

Existem formas de a programação cultural e mesmo o turismo contribuírem para reafirmar a cultura jagoza?

Acho mesmo que o turismo é a melhor foram de reafirmar a cultura jagoza porque a programação cultural tem duas funções: primeiro facultar conteúdos culturais e artísticos para os residentes, principalmente conteúdos a que não teriam acesso de outra forma (numa lógica equilibrada entre a democratização da cultura e a democracia cultural); e depois promover e divulgar os aspectos tradicionais, tanto para os locais como para os que vêm de fora. A Ericeira tem vindo a crescer muito nos últimos anos, principalmente com novos residentes, que precisam de ser chamados a participar nas tradições. Pequenas actividades como as marchas populares, a fanfarra dos bombeiros e a filarmónica servem para transmitir e preservar essas dinâmicas culturais tradicionais. O turismo serve como motor económico, possibilitando a monetização e um contributo para a preservação da cultura (até mesmo as associações precisam de dinheiro para manter a sua actividade) e como forma de mediatização e divulgação das tradições e do território. O Festival do Crato é um exemplo de uma festa tradicional que ganhou uma dinâmica própria e que dá vida a uma vila alentejana fortemente envelhecida e desertificada. Qualquer um dos programas abordados (Animação de Verão da Ericeira, Portuguese Surf Film Festival e Festas em Honra de Nossa Senhora da Boa Viagem) pode servir para essa reafirmação, assim como qualquer programa cultural que seja desenvolvido. É preciso é ter isso em conta quando se delineia o programa.

a marcha da Ericeira é a única, a par da de Alfama, que marcha descalça

No resumo da dissertação podemos ler que “a programação cultural é uma das principais formas de dinamização do destino turístico, salvaguardando o património local tangível e intangível” – tal tem acontecido na Ericeira?

Tenho a certeza. Um dos exemplos mais recentes é a recuperação pensada para o Forte de Nossa Senhora da Natividade, que vai incluir, segundo o projecto divulgado, uma zona expositiva sobre a história da vila e a sua ligação às artes do mar e da pesca, sendo completada por alguma programação. O mesmo aconteceu no final da primeira década deste século com as obras do Parque de Santa Marta, anteriormente propriedade da Junta de Turismo da Ericeira e que era palco de grandes noites de festa e animação. Também tem de ser louvado o trabalho que tem sido feito por alguns empresários da hotelaria e do turismo na recuperação de edifícios no centro histórico para acolher estabelecimentos de alojamento local, hotéis, restaurante entre outros. Nesse sentido, vemos o contributo do turismo para a salvaguarda do património arquitectónico. No caso do Património Intangível não é tão fácil arranjar evidências concretas porque os resultados não são palpáveis, mas existem também alguns exemplos, como a recuperação das Festas de São Pedro pelos escuteiros da Ericeira nos últimos anos, as Marchas Populares, retomadas por iniciativa popular em 2013 e que passaram para a esfera de organização da Junta de Freguesia em 2014, e as Festas de Santa Marta, que eram uma tradição antiga da vila e que foram retomadas pela Filarmónica em 2018. Apesar de não ser a causa para a recuperação destes eventos, não deixam de ter uma forte capacidade de atracção turística. A marcha da Ericeira é a única, a par da de Alfama, que marcha descalça. As Festas de Santa Marta eram as festas das raparigas solteiras. É bom saber que esta informação vai sendo passada através da programação cultural e que podem chegar aos turistas através de materiais interpretativos, como folhetos ou painéis expositivos.

Festas Ericeira 2014. - ph. José Guerra

Festas Nossa Sra. da Boa Viagem 2014. – ph. José Guerra

Este estudo visa aferir a forma como os programas culturais são influenciados pelo turismo e o peso que este tem no processo de tomada de decisão. Não devia suceder também um pouco o inverso, ou seja, os programas culturais influenciarem o turismo? Existe, por exemplo, o caso Paula Rego, para quem a Ericeira constitui a maior influência na respectiva vida e obra, nada existindo porém a ligá-la a esta vila de forma visível, descurando-se um potencial enorme em termos culturais e turísticos…

O turismo cultural e criativo é um dos principais produtos para a redução da sazonalidade e a diversificação de programas ao longo do ano, evitando a concentração no mês de Agosto, é o modo de mais facilmente contribuir para isso. Existem alguns eventos que já o procuram fazer, como por exemplo o Festunas, que permite a jovens estudantes do ensino superior conhecerem a vila e as suas tradições, oferecendo depois um espectáculo aos habitantes locais. Este evento tem acontecido, por exemplo, entre Abril e Junho.

No caso concreto da Paula Rego, a própria Quinta Figueiroa Rego tem bastante potencial para servir como centro artístico, um local para realização de residências artísticas e exposição de trabalho, principalmente quando a zona está em fase de urbanização. Teria era de haver interesse de algum ente público, ou privado, para isso. Ou até dos próprios proprietários.

O cosmopolitismo da Ericeira permite-lhe que seja um local para conteúdos artísticos e culturais mais contemporâneos do que vemos por exemplo em Mafra, onde encontramos conteúdos mais eruditos, devido ao contexto histórico do Real Edifício de Mafra. É normal que assim aconteça porque garantimos a autenticidade do destino. Mas na falta de uma estratégia global para a Cultura, que seja elaborada de forma participativa, o trabalho que tem sido feito pelos agentes do terreno é de louvar, não existindo, no entanto, um dinamismo da parte do sector social como vemos por exemplo em Lisboa, Oeiras e Cascais, em que mais de 70% da programação cultural é de iniciativa privada e social. A falta de infraestruturas não pode ser o motivo para não se fazer. Havendo iniciativa tem de haver responsabilidade colectiva para a criação de infraestruturas.

o “Mafra é Música” tem de crescer para “Mafra é Cultura”

“Analisando o executivo, nota-se que não existe formação (académica ou profissional) ou experiência relevante em Gestão Cultural, Estudos de Cultura ou Turismo. (…) A par disto, e em sentido inverso, nas decisões de maior relevância política ou executiva, como a definição de estratégias, existe pouca auscultação dos técnicos, nomeadamente na área da cultura.” – esta combinação de factores ajudará a explicar uma certa falta de estratégia cultural?

Estou certo de que existe uma estratégia cultural, mas que infelizmente não está materializada em nenhum documento e passa apenas por um grupo restrito de elementos e instituições. Aveiro e Águeda são apenas dois dos exemplos, fora dos grandes centros urbanos de Lisboa e Porto, que têm desenvolvidos excelentes planos estratégicos para a cultura, construídos em conjunto com a sociedade civil. Na prática, por muito que o Município queira apostar num determinado estilo ou género artístico, se as associações que estão no terreno não acompanharem pouco se consegue. O lema Mafra é Música funcionou porque existe uma rede já muito antiga de instituições, nomeadamente as Filarmónicas, e novas se criaram, como é o caso da Associação Memorial do Palácio ou da Cultur’Canto. Mas o Município, por muito que queira, e tem feito muito, não tem capacidade para financiar, nem deve, tudo aquilo que faz de cultura em Mafra. As próprias instituições têm de habituar o público a “comprar” cultura. Se a Filarmónica da Ericeira for a única que cobra bilhetes para um concerto, os seus estariam vazios, ainda que aposte na qualidade do reportório e na formação dos músicos. Se todas as organizações definirem um preço médio para bilhetes, as pessoas compram porque sabem que o que vão ver é de qualidade. O plano estratégico não é só para “Inglês ver”, mas acima de tudo para obrigar as instituições a trabalhem em rede, quase que numa Plataforma Municipal, em volta de temáticas que afirmem Mafra e a Ericeira (porque há muito mais para além do surf) como epicentro Cultural. O “Mafra é Música” tem de crescer para “Mafra é Cultura”.

Dos programas culturais analisados (Animação de Verão da Ericeira, Portuguese Surf Film Festival e Festas de Nossa Senhora da Boa Viagem), apenas o último – cuja Comissão de Festas integraste em 2019 – “reflecte os aspetos tradicionais da cultura ericeirense”, tal como escreves – os restantes poderiam suceder noutras partes do globo…

As Festas em Honra de Nossa Senhora da Boa Viagem também acontecem noutras terras, com as suas adaptações, como é o caso de Peniche ou Cascais. A Animação de Verão da Ericeira transmite aspectos da cultura local, nomeadamente porque dá a possibilidade a grupos da terra (como é o caso da Banda Filarmónica ou dos Teias D’Aranha, em 2021) de se apresentarem para um público mais diversificado. E mesmo o Portuguese Surf Film Festival representa um aspecto muito importante da Ericeira, que é o mar. A Ericeira não conhece o surf em 2011, mas muito antes disso. O primeiro campeonato mundial de surf na Ericeira foi em 1989, mas já desde os anos 60/70 que se faz surf na Ericeira. 60 anos é uma vida e em cultura é muito tempo. Muita coisa mudou em 60 anos, por isso na verdade todos eles transmitem aspetos culturais da vila, apesar de apenas um se basear nos aspectos tradicionais – ainda com a particularidade já referida sobre as Festas de Nossa Senhora da Boa Viagem. Mesmo que acontecessem noutros locais, não seriam os mesmos programas porque são fortemente influenciados pela Ericeira e pelas suas gentes.

gostava de ver uma Ericeira com uma oferta cultural mais dinâmica e que consiga utilizar as suas singularidades culturais

Verificou-se que o impacto do Turismo se reflete maioritariamente na dimensão criativa do programa, devido à necessidade de adaptá-lo aos diferentes públicos – a aposta deverá ser, portanto, numa certa transversalidade?

Isso depende dos objetivos do programa, como referi anteriormente, assim como do local onde se realiza. No caso da Animação de Verão e das Festas de Nossa Senhora identificou-se essa procura pela transversalidade. É claro que na Ericeira temos um grande leque de turistas: as famílias portuguesas que já cá passam o Verão há muitos anos – carinhosamente tratados por “agostinhos”; os turistas de surf, jovens e adultos, maioritariamente do norte da Europa; “Empty Nesters”, casais recém-reformados, sem filhos, e que aproveitam para viajar, usualmente acompanhados por outros casais, maioritariamente Europeus ou Norte-Americanos (alguns deles até escolheram a Ericeira para residir), entre outros. Havendo um público mais abrangente, a programação também o será tendencialmente, até porque não existe procura suficiente para produtos de nicho de mercado, ainda que já existam alguns programas mais alternativos, como o Dia Aberto às Artes, em Paço D’Ilhas. Já o Portuguese Surf Film Festival tem um público muito característico, sendo maioritariamente estrangeiros. É transversal dentro da sua particularidade.

 

“Conclui-se que é necessário utilizar a programação como ligação entre a cultura e o turismo, capacitando os agentes envolvidos nos processos de programação e produção, e utilizando ferramentas que permitam uma análise das relações e dinâmicas entre ambos” – em termos concretos, de que formas tal se poderá executar?

O primeiro passo passa pela formação. É necessário formar os agentes que estão no terreno (nas diversas tipologias de instituições) para a gestão de projetos e fazer desvanecer o medo dos números e das estatísticas. Os números ajudam imenso no processo de tomada de decisão, ainda que não possam também ser descurados os aspetos qualitativos, que não se transpõem tão facilmente nas ferramentas de gestão. Notei durante a análise documental dos programas que não existe a sistematização de processos dentro das próprias organizações, e prevenindo que as pessoas se eternizem em cargos e funções, principalmente no contexto associativo, é necessário que existam ferramentas criadas e pensadas para passar informação e facilitar o processo de decisão, gestão e produção dos programas culturais. Mas também os operadores privados necessitam destas ferramentas, e por isso mesmo é que existem já licenciaturas em Gestão de Eventos, Programação Cultural, entre outras áreas. A formação e capacitação é o primeiro passo.

De que formas a pandemia afectou não só a defesa da tua tese como o respectivo período de preparação?

Influenciou bastante porque não consegui estar presencialmente com os meus orientadores, e apesar de termos trocado e-mails e tido reuniões através de videoconferência, acho que poderia ter absorvido mais informação num processo de orientação presencial. Para além disso, em pandemia é mais fácil sentirmo-nos perdidos e sozinhos porque não podemos ir bater à porta do gabinete do professor e pedir ajuda. É preciso ser mais autónomo e paciente com as respostas. Felizmente consegui, e fiz por isso, entrevistar pessoalmente todos os envolvidos na dissertação. A defesa da dissertação também foi bastante diferente do que pensava, isto porque prefiro comunicações presenciais. Permite-nos perceber o público e sentir a forma como reage ao que estamos a dizer. No entanto, o facto de ser online permitiu ter muita gente a assistir, entre colegas, família e amigos, que de outra forma não teriam disponibilidade para estarem presentes.

 

Uma das dedicatórias da tua tese vai para “o mar da Ericeira”, por ser o horizonte ao qual diriges o olhar – qual pensas que deveria ser o horizonte futuro da Ericeira no que toca às relações e dinâmicas entre Programas Culturais e Turismo?

Gostava de ver uma Ericeira com uma oferta cultural mais dinâmica e que consiga utilizar de uma forma consciente as suas singularidades culturais e tirar proveito disso do ponto de vista turístico. O horizonte tem de passar pela clarificação da estratégia, do caminho a seguir, até porque, como diz o ditado, “quando se navega sem destino, nenhum vento é favorável”. É preciso também que todos estejamos a remar para o mesmo lado e que haja para isso uma clara articulação entre público, privado e social. Todos temos de fazer a nossa parte. Por último, privilegiar o local, sem nunca esquecer que a programação cultural serve também para educar e formar novos públicos, e que por isso é também importante diversificar a oferta de novos conteúdos, quer sejam eles contemporâneos ou eruditos.