Texto: Hugo Rocha Pereira | Fotografia: AZUL
Passa hoje uma semana sobre a realização, na Ericeira, da conferência “As Ilhas Selvagens à Luz do Direito Internacional. As Pretensões de Espanha”, que teve como oradores Adriano Moreira e Pedro Quartin Graça. Para aprofundar o tema, lançámos algumas perguntas ao último, que é uma das vozes mais activas e conhecedoras desta matéria sensível. O jurista e professor universitário não tem dúvidas de que as Selvagens constituem território português, mas considera caber tanto aos governantes como à sociedade civil protegê-las de apetites alheios, vindos de Espanha e não só.
Qual é o actual ponto desta situação que envolve o estatuto das Selvagens?
As Ilhas Selvagens são território nacional. Hoje como no passado. São expressamente referidas no Estatuto de Autonomia da Região Autónoma da Madeira e constituem a mais antiga Reserva Natural Integral do País. Uma panóplia alargada de legislação, quer nacional, quer internacional, diz-lhes respeito, sendo de recordar que as Selvagens estão classificadas, entre outros, pelo Conselho da Europa e pela International Union for Conservation of Nature como espaço protegido. Sou da opinião, todavia, que as Selvagens talvez devessem merecer uma protecção jurídico-constitucional mais alargada, no sentido de poderem ser expressamente consignadas na Constituição Portuguesa como território nacional e não necessariamente dependente do Estatuto da Madeira. Mas isto é apenas uma reflexão e abordagem possível. Agora sabemos que as Selvagens são uma tentação para alguns, que não é apenas de agora, cobiça esta que tem muito a ver com a riqueza das suas águas e de tudo o que nelas se poderá encontrar, a par da sua localização geo-estratégica ímpar como nossa fronteira mais a Sul.
As Selvagens são, afinal, ilhas ou rochedos?
São clara e definitivamente ilhas. Têm no presente, como o tiveram no passado, condições para serem habitadas e nelas se poder exercer actividade económica. Aliás, tanto o têm que são às centenas as pessoas que nelas já pernoitaram ao longo dos anos, bem como está demonstrada a intensa actividade económica, à sua escala, como é evidente, que ao longo das décadas nelas existiu.
É quase o que resta intacto de um Portugal muito estragado pela cobiça do homem.
Só agora Espanha vem levantar estas questões ou as suas pretensões já vêm de trás?
A Espanha já levantara no passado questões no que toca à soberania das ilhas. Mas cedo percebeu que se tratava de uma impossibilidade histórica poder reivindicar fosse o que fosse nessa sede. Na verdade, as Selvagens sempre foram portuguesas e Espanha sabe-o bem. Agora o nosso vizinho tem outro objectivo: conseguir tirar mais-valias da sua proximidade geográfica com as Canárias e tentar obter uma qualquer situação de vantagem económica mas também política desse facto, isto em detrimento de Portugal, como é evidente. Cabe a Portugal, não só aos governantes mas também, e muito fundamentalmente, diria eu, à sociedade civil defender aquilo que secularmente nos pertence dos apetites alheios, que não são apenas vindos dos nossos vizinhos.
O que torna as Selvagens tão apelativas?
Só quem lá vai consegue perceber a realidade na sua plenitude. É um outro mundo mas onde se respira o melhor que Portugal e a natureza têm para oferecer: beleza, paz, tranquilidade, história e pouca intervenção humana. É quase o que resta intacto de um Portugal muito estragado pela cobiça do homem. Um paraíso, em suma.
Como é que se pode resolver este diferendo?
Os portugueses têm de se impor, nem que seja só desta vez. O Direito e a História estão do nosso lado. A população também sabe onde está a razão. Há que ser firme na defesa do que nos pertence. Caso contrário existirá de forma inapelável a cobrança de responsabilidades. E nós, enquanto sociedade civil, cá estaremos para o fazer.
À luz do Direito Internacional, que instituições poderão ser chamadas, no limite, a resolver esta disputa?
No limite o conflito pode chegar aos Tribunais internacionais, como o Tribunal Internacional do Direito do Mar e o Tribunal Internacional de Justiça, passando pela arbitragem. Espero, todavia, que o bom senso prevaleça e que Espanha perceba que se trata de uma “guerra” que não lhe interessa “comprar”, muito menos neste momento histórico.