Gerações do Surf à lupa

 

Fotografia: Vera Azevedo

 

Vera Azevedo, que está a desenvolver um Estudo de Doutoramento dedicado à Pesca e ao Surf na Ericeira, também mantém desde 2015 um projecto que realiza retratos inter-geracionais de surfistas e recolhe as respectivas histórias como forma de contribuir para registar a evolução do surf em Portugal.

Este projecto, intitulado “Sal e Filhos – Gerações do Surf em Portugal”, já contempla duas famílias radicadas na Ericeira, apesar de não serem jagozes de gema: os progenitores são rostos bem conhecidos das ondas nacionais – Miguel Fortes e José Gregório.

Iniciado na Costa de Caparica, há pouco mais de um ano “Sal e Filhos” foi alargado ao território nacional devido à referida investigação académica e porque a transmissão do saber (dos progenitores) e o gosto pela prática (dos descendentes) é transversal a todas as geografias onde há surfistas.

Antes de apresentarmos os textos que resultaram das conversas com as duas referidas famílias, publicamos uma pequena entrevista com a autora Vera Azevedo.

Quais foram as razões para ter escolhido Miguel Fortes, José Gregório e respectivas descendências para o seu projecto?

O projecto Sal e Filhos – Gerações do Surf em Portugal começou há cinco anos na Costa da Caparica. Inicialmente pensado para retratar as gerações do surf naquela localidade e contribuir para uma história do surf na Caparica, após algum tempo percebi que seria muito mais interessante ampliar o projecto e conferir-lhe um âmbito nacional. Claro que a minha investigação para a tese de doutoramento em antropologia sobre a Ericeira permitiu que estivesse em contacto com a comunidade surfista local e assim fazer estes retratos. Não há uma escolha, há uma oportunidade. A minha intenção era fotografar todos os pais/mães, filhos/filhas, mas a minha estadia na Ericeira não era dedicada a este projecto, mas sim à investigação “Surfistas e Pescadores: Património, Trabalho e Desporto na Ericeira”. Cheguei a contactar outras famílias, mas o tempo e a oportunidade (nem sempre é fácil agendar estas sessões e congregar a família toda) não o permitiram.

há imensas famílias icónicas do surf na Ericeira, desde jagozes de coração a jagozes de nascimento

Tenciona fazer mais retratos de famílias do surf ericeirense?

A ideia é fotografar todos, pois há imensas famílias icónicas do surf na Ericeira, desde aqueles que são jagozes de coração aos jagozes de nascimento. Mas só posso dedicar-me a esse empreendimento quando terminar a escrita da tese. Mesmo na Caparica (onde habito) não tenho conseguido reunir condições para reunir pais/mães e filhos/filhas e até avós. Ou consigo apanhar casualmente as pessoas na praia (foi o caso do Miguel Fortes, quando ainda estava em ‘trabalho de campo’) ou então há todo um investimento de contactos e marcação de encontros, para o qual não consigo ter disponibilidade nesta fase da escrita da tese.

 

Já tinha explorado as raízes do surf jagoz noutro âmbito…

Sim, no âmbito da minha investigação pesquisei imenso sobre as raízes do surf jagoz. E recolhi algumas imagens, mas gostaria de ter muitas mais. A montagem que aparece no Sal e Filhos é um pequeno contributo para a história do surf português, ao qual este projecto também se dedica oferecendo aos seguidores pequenas histórias e acontecimentos dos primórdios do surf. Como também faço parte da AHMS – Museu do Surf, sediada na Caparica, estes objectivos estão todos relacionados. Há um belo livro sob a coordenação do João Luís Rocha, o “História do Surf em Portugal – As Origens”, que é um começo, mas precisamos de fixar mais memórias, até porque o surf está a tornar-se o desporto de eleição em Portugal, depois do futebol, claro (risos).

Entre a Pesca e o Surf: Vera Azevedo a bordo do Toni Fernando nas Festas de Na. Sra. da Boa Viagem

Miguel Fortes

“Conforme anunciado ontem, o “Sal e Filhos” tem agora o propósito de abranger o território nacional. Nesse âmbito, retomamos este projecto com uma tripla icónica do surf local na Ericeira, os Fortes.

Para os amantes e praticantes de surf, Miguel Fortes dispensa apresentações. Surfista há mais de trinta anos, a sua técnica e talento conferiram-lhe o epíteto de ‘Rei dos Coxos’, local onde surfa habitualmente. Miguel sempre foi um ‘free surfer’ profissionalmente ligado à indústria do surf. Apesar de ter participado em alguns campeonatos nacionais, a competição nunca esteve nas suas prioridades, preferindo dedicar-se às ondas tubulares da Ericeira com aquele estilo clássico que lhe é peculiar. Hoje em dia tem a sua escola de surf, a Ericeira Surf School, e acompanha os seus filhos na escolha que também fizeram para os tempos livres, surfar.

Manuel e Martim Fortes, gémeos, cresceram na Ericeira e sabem bem o que é estar dentro de água desde cedo. Com 12 anos já são jovens promessas do surf local e começam a dar os primeiros passos nos circuitos de competição esperanças. Também são grandes adeptos do skate, para o qual ambos mostram bastante entusiasmo. Apanhei-os em modo caminhada no seu local preferido, a Baía dos Coxos, e gentilmente concederam-me o retrato. Aos três desejo sucessos e que continuem a prendar-nos com exibições de surf dignas de Rei. Aloha.”

José Gregório

Ainda pela Ericeira, o ‘Sal e Filhos’ continua o seu périplo nacional, agora com José Gregório, surfista sobejamente conhecido que detém 3 títulos de campeão nacional de surf e integrou o top 16 do circuito europeu profissional EPSA por vários anos consecutivos.

José Gregório Varela (o Grego para o mundo das ondas) é natural da Nazaré, vive na Ericeira há cerca de vinte anos e é o responsável máximo da Quiksilver em Portugal. Encontrámo-lo na Boardriders Ericeira, uma das lojas sob a sua responsabilidade e um espaço de paragem obrigatória para quem habita ou visita a vila com o espírito do surf nas entranhas.

Surfista desde muito jovem e um ícone da sua geração no surf progressivo em Portugal, José Gregório é também um dos locais da onda dos Coxos, a mais procurada e emblemática da Ericeira. A transmissão do ‘bichinho’ às suas filhas, Catarina e Mariana Varela, de 18 e 16 anos, respectivamente, foi inevitável. Apesar de não terem seguido a via profissional deste desporto, abraçaram a modalidade na vertente do lazer.

Diz a Catarina que “Desde pequeninas eu e a minha irmã conhecemos bem palavras como surf, fato, prancha, ondas, etc. O nosso pai ensinou-nos não só a fazer surf como também a defendermo-nos do mar e todos os perigos deste. Viver com um pai surfista é estarmos a dormir, ele ir ao nosso quarto e dizer-nos «Bora surfar!!! O mar hoje está perfeito para vocês.»”.

Na lógica do estímulo pela prática da modalidade e percepcionando o afecto imenso que José Gregório sente por estas mulheres da sua vida, foi gratificante que trouxesse para a sessão a prancha Roxy com a qual as filhas aprenderam a surfar.

Aos três o meu imenso obrigada pela disponibilidade, paciência e caras de ‘mau-mau’, as quais sei serem difíceis para adolescentes que, felizmente, preferem sorrir para a vida. ALOHA!”