“Um Estilo de Vida Sul-Asiático”: uma odisseia visual do fotógrafo Francisco Melim

 

Entrevista: Ricardo Miguel Vieira | Fotografia: Francisco Melim

 

A mais básica essência da fotografia foi sobreposta em anos recentes pela emergência das sociedades modernas que vivem permanentemente conectadas e se orientam por hashtags. Os registos de viagem, por exemplo, vivem hoje dias tempestuosos, com o seu elemento inerentemente documental assombrado por correntes infinitas de selfies que aspiram a urgentes e inócuos feedbacks virtuais. Porém, ainda há um grupo de pessoas espalhadas pelo mundo que continua a desafiar a nova ordem através da produção de narrativas visuais que se focam nas intrigantes e fascinantes idiossincrasias das populações. Francisco Melim é membro dessa irreverente e restrita família.

Em Novembro do ano passado, o fotógrafo e realizador de 22 anos palmilhou os territórios sul asiáticos da Indonésia, Tailândia e Malásia e regressou a casa com múltiplos cartões de memória carregados de registos únicos que transportam em si as histórias de culturas vibrantes, espiritualmente imersivas e distintas nos seus cenários naturais e urbanos.

Melim cresceu à beira do Atlântico surfista e piscatório da Ericeira e, ocasionalmente, explorou os humores temperamentais de Lisboa e arredores numa tábua de skateboarding. Influências díspares – o grotesco urbanístico versus a paleta natural do mar – que informam um corpo artístico tingido por um filtro “esperem-o-inesperado”. Contando as histórias de quadros humanos, materiais e orgânicos contrastantes, a série “Um Estilo de Vida Sul-Asiático” apresenta a fervilhante diversidade que está a acontecer do outro lado do globo ao mesmo tempo que reflecte sobre a sociedade alienada da vida fora da bolha virtual.

Indonesia_1

Que sentimentos te assomam quando revês estas fotografias da tua odisseia pela Ásia?

Sobretudo saudades. O desejo de regressar a estes lugares fantásticos e de me perder em mundos distantes ainda por descobrir. Esta jornada foi fantástica, conheci culturas menos convencionais e mergulhei em aromas e cores. Ali as pessoas emanam uma vibração positiva que nos atrai. Acredito que este tipo de viagens resiste durante muito tempo na nossa mente e que estamos sempre a aprender com as mais pequenas coisas. Em termos fotográficos, esta aventura emprestou-me novas perspectivas e foi um processo contínuo de adaptação aos momentos mais espontâneos.

A espontaneidade é um elemento que te atrai na fotografia?

Sem dúvida, e acabou por tornar a viagem bastante mais imprevisível, dando lugar a experiências inesperadas e fotografias menos óbvias. Esta série apresenta os altos e baixos de toda a viagem e do próprio processo de extrair o máximo possível de ambientes visuais arrebatadores. Foi esse o meu objectivo para esta viagem.

Considero-me uma pessoa criativa e sou influenciado por tudo o que me rodeia, seja cenários naturais ou energias urbanas.

Nestes ambientes sul-asiáticos capturas um pouco de tudo, nunca sabes bem o que te espera. Então procurei congelar os aspectos contrastantes da cultura sul-oriental, o que realmente levantou um desafio complexo para mim: observar e compreender através da fotografia como estas culturas únicas se envolvem no dia-a-dia. Estas coisas fascinam-me, sou uma pessoa curiosa e o meu método para obter respostas é através da fotografia.

Thailand_1

Tinhas alguma estética em mente enquanto fotografavas?

A mesma que todos os dias aplico quando fotografo. Apenas me deixo levar, enquadro tudo o que cruzar o meu olho. Neste caso foi mais um estilo point ‘n’ shoot. No princípio tive aquele bloqueio de fotógrafo por me encontrar num lugar novo a apontar a câmara a pessoas aleatórias na rua. Depois acabei por imergir naquele mundo e percebi que as pessoas daquelas bandas são realmente acolhedoras, mesmo quando apontas uma lente na sua direcção. Passei a observar e a disparar apenas o que eu achava que contava uma história sobre o estilo de vida daquelas populações.

Que diferenças apontas entre fotografar a Tailândia, Indonésia e Malásia?

Estes países podem estar próximos entre si, mas cada um tem uma cultura muito própria e é óbvio que acabas por ter narrativas fotográficas completamente diferentes. Por exemplo, há uma grande mistura de comunidades em Kuala Lumpur que foi realmente interessante fotografar. Em Bali és confrontado com praias e paisagens tropicais incríveis ao mesmo tempo que encontras referências históricas Hindu praticamente em todo o lado. Por isso, se fotografas uma pessoa no seu retiro espiritual, certamente que terás uma nova história para contar. Na Tailândia há imensos monges budistas nas ruas e um grande número de pequenos monumentos em todo o lado. Ou seja, tudo isto são elementos característicos que invariavelmente informam as fotografias e apresentam narrativas culturais distintas.

Podes escolher três imagens – uma de cada país – favoritas e relatar-nos a história que torna cada uma cada uma especial para ti?

Malaysia_2_Commented

Malásia: Esta imagem foi captada numa manhã no mercado de Kuala Lumpur, um lugar que respira diversidade. Todas as manhãs, dezenas de pessoas montam ali os seus pequenos negócios e vendem de tudo um pouco: desde comida a roupas de marcas contrafeitas e também drones e telemóveis. O mais interessante nisto tudo foi a fusão de comunidades: muçulmanos, hindus e chineses, todos o juntos a ganhar a vida e a esboçar refrescantes sorrisos num dia absolutamente asfixiante devido ao calor.

Indonesia_2_Commented

Indonésia: Esta fotografia resume a energia e simplicidade da vida na Indonésia. Foi captada em Medewi junto a uma pequena corrente de água que desagua no Pacífico. Ali encontrei dois rapazes que simplesmente se divertiam a tomar banho e a brincar com pedaços de esferovite. Este foi um momento realmente forte para mim, porque do nosso lado do globo os mais novos estão a trocar a descoberta jovial das brincadeiras de rua pelos computadores e vidas virtuais. E aqui é como se estes dois miúdos preservassem uma espécie de estilo de vida em extinção, desligado e puramente natural. Isto faz-me recordar a minha infância: correr pela rua, jogar à bola e skatar com os meus amigos.

Thailand_2_Commented

Tailândia: Este é um bom exemplo de um evento deveras inesperado. Certa noite, enquanto aguardava pelo comboio para Surathai, um rapaz veio ter comigo e começou a tentar comunicar. Sabia muito pouco, ou mesmo nada, inglês então não conseguia compreender o que ele me dizia, para lá da linguagem gestual que demonstrava curiosidade sobre o que este turista andava ali a fazer na estação. A poucos metros de nós encontrava-se um monge budista. Estava sentado num banco a fumar quando veio ter connosco e ajudou o rapaz a traduzir o que me queria dizer. Daí em diante ficámos a conversar. A situação foi inesquecível, algo que hoje em dia é muito raro acontecer, especialmente aqui no Ocidente. Esta fotografia apresenta mais do que aquilo que nela observamos.

Foi difícil criares esta série? Como é que se deu a escolha das fotografias?

Foi, sem dúvida, desafiante. No fim da primeira escolha tinha cerca de 200 imagens (risos). Em minha defesa, cada fotografia relembra-me um momento, uma aventura, uma história, um sentimento. Por isso, é sempre difícil estabelecer uma narrativa visual com poucas imagens. Ainda assim, procurei apresentar todos os elementos que achei importantes sobre esta viagem.

Como é que defines o teu estilo enquanto fotógrafo?

É difícil para mim definir o meu estilo. Move-me o que me rodeia e simplesmente fotógrafo o que o meu olhar considera interessante. Sou realmente influenciado tanto pela street photography como pela vibe emanada pela fotografia de surf e skateboarding. Por isso, essas raízes informam a minha estética. Do surf consigo captar ambientes naturalistas; do skateboarding retiro o lado mais urbano da vida. Raramente planeio o que vou fazer, apenas me adapto à acção que me rodeia.

Que planos tens traçados para os tempos mais próximos? Uma nova viagem?

Disparar, disparar, disparar! É essa a minha paixão. Para além disso, pretendo poupar dinheiro para viajar. Tenho planos na minha mente para uma trip de carro de Lisboa a Marrocos. Mas também gostava de regressar à Ásia e visitar o Camboja, Birmânia e o Vietnam. Vamos ver como corre o ano, mas estarei sempre entre a Ericeira e Lisboa para fotografar, recriar novas estéticas e evoluir enquanto fotógrafo e realizador.

 

Sigam o trabalho de Francisco Henrique Melim no Instagram, Cargo, Vimeo e Tumblr.