Rita Lello: “O nome ‘Ericeira’ é quase mítico. Tem um charme agarrado”

 

Texto: Paulo Galvão | Fotografia: DR

 

Rita Guerra de Oliveira e Silva Lello, conhecida pelos portugueses apenas como Rita Lello, estreou-se nos ecrãs em 1985 no filme Só Acontece aos Outros, que partilhou com a mãe, Maria do Céu Guerra. Criada por uma família de artistas, Rita pisou o seu primeiro palco em 1994 com a peça O conto de Inverno, de Shakespeare. Neste momento já conta com uma longa carreira e em 2011 mudou-se para a Ericeira, um lugar que considera muito especial. Recentemente pudemos vê-la na televisão, na série “Bem-vindos a Beirais” e na telenovela “Coração d’Ouro”, e agora aprofundamos a relação com a terra que escolheu para viver.

 

Ericeira para viver: quando e porquê?

Para viver mesmo só a partir de 2011, mas já para cá fugia assim que era possível desde uns bons anos antes. O nome “Ericeira” é quase mítico. Tem um charme agarrado a ele. Começa, para mim, o mito na adolescência dos anos 80, nas perigosas viagens de carro – ainda menor e às escondidas da família – para vir à discoteca S.A., e nas férias passadas na casa do Tio Quim na Assafora que fizeram de S. Julião, a par com a Azarujinha, Miramar e a Falésia, uma das praias da minha vida. Depois do Vasco nascer, a Ericeira aparece-me como uma terra onde se fazia sentir o mesmo ambiente que eu sentia no S. João do Estoril da minha infância/adolescência: havia o Surfcamp de Ribeira d’Ilhas, onde o Vasco corria em plena liberdade entre pizzas e aulas de surf e onde, apesar de não ser surfista nem jagoza, sempre me fizeram sentir em casa. A escolha não foi difícil. Entre os 30 minutos que precisava de manhã, pelo infernal trânsito da capital, para levar o Vasco do Bairro Alto, onde vivíamos, até ao Colégio na Avenida da República, e os 45 que passei a levar da minha casa sobre Ribeira d’Ilhas pela A21 e A8 até ao mesmo Colégio, está fácil de ver… bom ambiente, mar, qualidade de vida, muitos amigos feitos pelo caminho e um clima que parece feito para mim com o destempero tempestuoso dos Invernos, os Outonos benignos, a florida Primavera e o Verão ameno e fresco. Não foi possível resistir.

 A Ericeira aparece-me como uma terra onde se fazia sentir o mesmo ambiente que eu sentia no S. João do Estoril da minha infância.

Inverno ou Verão? Porquê?

Na Ericeira, tudo!!! O Verão torna-se um pouco mais confuso pela afluência do turismo, mas acho graça. Não me incomoda por aí além. Sei que é importante para a economia da terra e que em dois meses se volta a ter sossego. Não consigo parar o carro à porta, mas há festa na rua e isso também é muito giro.

 

Se tivesses que recomendar a Ericeira a alguém, o que dirias?

Não recomendava, para isto continuar a parecer um paraíso. Dizia que o tempo é péssimo e faz mal aos ossos, que há muito nevoeiro e que o mar é frio.

 

Mudarias alguma coisa?

Mudava. Há sempre coisas para melhorar, embora ache que este executivo autárquico tem feito um bom trabalho no que toca à requalificação da vila. Acho que faz falta uma política social mais eficaz para as pessoas da terra. A Ericeira sempre foi uma estância balnear de ricos, até tinha um casino e os nomes das ruas deixam bem ver quem eram, quem são, as grandes famílias portuguesas apaixonadas por esta terra. Mas a Ericeira não é só gente rica. Há muito por fazer nesse campo, nomeadamente no acesso dos jovens a actividades culturais e desportivas: rugby, surf, música, artes em geral… Os clubes e escolas existem, mas a preços privados.

Não digo que os clubes tenham de baixar as mensalidades, digo que o Estado, e é para isso que orgulhosamente faço os meus descontos, os deveria apoiar para, sobretudo nos meses do ano lectivo, poderem integrar jovens de famílias desfavorecidas em pé de igualdade com a sua geração. Não se justifica que o custo de fazer natação na piscina municipal seja o mesmo que num ginásio privado, não se justifica que não haja, por exemplo, passe social combinado a preços acessiveis para que os jovens que não têm por aqui os cursos que desejam frequentar o possam fazer onde eles existem… e isso só acontece porque a Mafrense tem o monopólio dos transportes no Concelho e nenhuma tutela do estado. Isto são alguns exemplos de muitos mais que poderia citar.

A questão é que são estas políticas sociais de apoio à juventude, incentivo às práticas desportivas, etc, que evitam flagelos como a droga e o insucesso escolar, e sabemos que infelizmente temos por cá disso logo nas camadas mais jovens, apesar dos esforços do magnifico corpo docente da Bento Franco.

Em todas as terras pequenas podíamos encontrar elenco para Beirais e a Ericeira não é excepção.

A Rita fez direcção de actores no Bem-vindos a Beirais. Já conhece suficientemente bem esta terra de pescadores para nos dizer se haveria potencial para um Bem-vindos à Ericeira.

Havia, com certeza. A série foi feita tendo como horizonte a criação de uma aldeia/vila tipica de Portugal. Em todas as terras pequenas podíamos encontrar elenco para Beirais e a Ericeira não é excepção. Basta sair à rua, no Carnaval e nos Santos Populares, para sabermos o que não poderia faltar no elenco residente. E até já tinha música para o genérico: a marcha “Bem-vindos todos, à Ericeira”.

 

Preferes estudar os textos nas esplanadas ou em casa?

Na esplanada sempre que é possível, em casa sempre que tem de ser.

 

Espero que a vilã Maria Helena de Coração d’Ouro não se tenha inspirado para esse papel em nenhuma vizinha sua da Ericeira…

Não. A Ericeira, como todas as terras, terá as suas matriarcas e mulheres de negócios, fortes, inflexíveis e sem escrúpulos… mas não as conheço, felizmente.

Em acção dramática na peça Clarabóia, de José Saramago.

Em acção dramática na peça Clarabóia, de José Saramago.