Quatro Paredes Caiadas e o Mar

ph. José Guerra

 

Texto: Pedro Ágoas | Fotografia: José Guerra

Raúl Brandão, no seu “Guia de Portugal – Lisboa e Arredores”, de 1924, descrevia a Ericeira como “uma terra de pescadores pobres (…) que só conseguem viver alugando no Verão as suas casas muito limpas aos banhistas e a marítimos reformados que, depois de terem percorrido o mar a bordo dos navios de Lisboa, acabam sempre por voltar à sua terra natal.”

 

A Ericeira é uma terra de contrastes diluídos, uma vila entalada entre a serra e o mar, o verde e o azul, onde se mistura a faina e o ócio e as tradições de outros tempos convivem lado a lado com as marés de modernidade.

A beleza da vila não está só no que vêm os meus olhos nem só no mar que lhe serve de logradouro; o maravilhamento reside sobretudo nos detalhes e pormenores que conhecemos desde sempre e sempre lá estiveram. A imperfeição popular e a costura de retalhos das construções saloias de pedra, taipa e adobe, a volumetria branca do casario caiado e salpicado de azul com telhados mouriscos e quintais em anfiteatro sobre as arribas, as ruas e vielas tortas e estreitas, as cores das sucessivas camadas de tinta das janelas de madeira, os azulejos monocromáticos, as pedras das bicas e fontes… são tudo elementos humanizantes de uma paisagem equilibrada que a aproximação das cidades não conseguiu ainda destruir.

Sentir na cara o pôr-do-sol com travo a mar (que só por si é uma medicina alternativa), ouvindo as gaivotas dizer mal da vida e sentir os bandos de passarada que, em hora de ponta, concorrem aos melhores spots do jogo da bola, parar para ver as novidades da montra da “Rola Paulo” e seguir para o muro das Ribas para me debruçar sobre aquele mar, faz tudo parte integrante de um ritual sem o qual dificilmente manteria a minha sanidade mental.

Na Ericeira não se habita, vive-se! Digo isto de uma forma um pouco suspeita e facciosa porque sou daqueles que, mesmo não vivendo na Ericeira, vivo e saboreio a Ericeira desde que nasci. Em linguagem futebolística diria que “sou da Ericeira desde pequenino.”

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