Pesca artesanal na Ericeira: Agora – Parte #2

 

Texto e fotografia: Filipa Teles Carvalho

 

“Eu espero que alguém faça alguma coisa”, desabafa Francisco Duarte, 56 anos, mestre do Samas, com 40 anos de mar: “Está difícil. Há cinco meses que não vou ao mar. Também temos dificuldade em arranjar malta para ir. A areia é um entrave para nós. Como não vamos ao mar, as pessoas também não podem esperar por este trabalho, têm contas para pagar. Vão para outros lados, vão para as obras”. Sobre o que tem corrido mal, hesita: “Não sei. Acho que a obra nunca foi concluída definitivamente. Vem muita areia do Sul”. Quanto à segurança, tem menos dúvidas e conclui que há perigo real: “Está muito perigoso. Ficamos mesmo encalhados, em cima da areia. Depois o barco começa-se a inclinar, é muito complicado. Já tem acontecido alguns homens caírem ao mar de qualquer maneira”.

José Brites, 60 anos, 46 de mar, considera que estas obras são “uma agulha num palheiro. Enquanto não limparem a praia… a praia está sufocada”. Para este mestre do “Eunice”, o que correu mal de há anos para cá no declínio da pesca artesanal da Ericeira é indissociável do porto: “Estas obras começaram logo mal quando avançaram com o molhe e em vez de nos deixarem a parte mais funda, não, fugiram com o molhe para a parte mais baixa, roubaram-nos o fundão, a entrada. A entrada antigamente era onde estava o cais, a parte mais funda, junto àqueles dois faróis, chama a gente faróis embaralhados. Na altura, o meu pai e outros antigos defenderam levar o molhe a direito e não fazer aquela curva, isto já pela primeira vez. E avisaram: ‘não façam isso que vão estragar o porto’”.

José Brites denota revolta e cansaço quanto à resolução definitiva do problema e é categórico: “Eu não acredito. Em nada! Estava aí um projecto feito, iam fazer uma marina, resolver, fazer isto e aquilo. Os gatos já deram muitos filhos mas isso é tudo mentira”. A questão prende-se também, na sua opinião, com a transformação da Praia dos Pescadores em praia de banhos: “Esqueceram a parte da pesca e começaram a abandonar. Não fizeram a manutenção”.

Desde há 14 anos, a situação da pesca artesanal já melhorou e agora piorou como nunca: foi ao fundo.

Por entre o ruído da grua, voltamos a falar da pesca artesanal e dos barcos de madeira. “A pesca artesanal está em vias de extinção”, conclui. “Em toda a parte do país. E aqui muito mais porque não há efectivamente condições. Acabando eu e estes que têm quarenta e tal, já não há mais ninguém para seguir isto. E porquê? Não havendo condições as pessoas também não compram barcos. Neste momento estão a apostar mais na fibra e no alumínio, mas fazem-se ainda muitos barcos destes. Para mim é especial porque eu sempre vivi da pesca artesanal. Mas agora não vejo futuro para ninguém. Aqui, o futuro para os pescadores está a acabar”.

António Franco Alberto, 47 anos, no mar desde os 12, é o mais jovem mestre deste tempo e um dos fundadores da Associação de Pescadores Profissionais da Ericeira: “Desde há 14 anos”, diz, “a situação da pesca artesanal já melhorou e agora piorou como nunca: foi ao fundo. Está um caos, do pior para tudo. Com a areia não se pode sair para o mar. Pessoas com coisas para pagar – têm que ir para algum lado procurar outras coisas. Nós temos bons barcos bem equipados, material de electrónica, temos formação, estamos dentro de tudo. Não temos é porto em condições que nos permita ir trabalhar. Não se pode sair.”.

E independentemente dos tipos de turismo que a Ericeira possa ter, defende perdas para a vila se este tipo de pesca desaparecer: “Porque toda a gente gosta de vir aqui passear, ver a malta a trabalhar, ou lá de cima, os barcos a chegar – pessoas que vêm sempre para cá, há 20, 30 anos, cujos netos e bisnetos vêm também –, vão perder isso tudo. A identidade da Ericeira é a pesca. Há o turismo, mas ao turista também interessa essa identidade ”.

Considera que a situação é de risco para todos. Defende que o que correu mal foi, sobretudo, não terem removido a areia da praia quando os pescadores pediram, acrescentando que a praia está “perigosa, a areia de cima está suja, podre. Porque o mar é que a lavava”.

Não quer pensar no final deste tipo de pesca: “Eu sou novo. Se eles meterem mão a isto, há pessoas que querem vir, senão, acabando a malta não há mais ninguém”.

Sublinha que cada barco tem entre três e quatro pessoas, quase todos casados e com filhos: “Isto mexe com muita gente”. Gostaria de ver esta situação resolvida o mais depressa possível, que fossem rapidamente asseguradas condições: “Isto é uma tristeza muito grande, eles não sabem o que é as pessoas verem o mar em condições e não poder ir. Geralmente, todos os portos são assoreados. Mas têm manutenção. Este não teve nada. Faltou manutenção do antigo IPTM, deixaram a gente aqui ao abandono. E avisámos muitas vezes. Agora parece que a Docapesca está a levar outro caminho, vamos ver”.

Os barcos não acabam se a gente puder ir ao mar.

Francisco Eurico Franco Alberto, ‘Xico Porras’, 73 anos e uma vida inteira dedicada à pesca. Já vão ficando mais longe os tempos do Creoula e o pequeno bote onde ficava dias e noites sozinho em alto mar. Concretizou o seu sonho de passar o barco, Tony Fernando, ao filho. É bastante objectivo e não perde muito tempo: “Precisamos que tirem a areia. Vai ser difícil, espero que eles consigam”. Lamenta os alcatruzes deixados à espera, os esgotos tapados, a perda de tempo e de trabalhos.

Quanto ao futuro, também não complica: “os barcos não acabam se a gente tiver o porto arranjado. Os barcos arranjam-se, havendo condições de trabalho. O meu tem 36 anos e anda ao mar. Peixe há. Mas só os barcos de fibra é que neste momento estão a fazer dinheiro. Esses tradicionais de madeira não, não podem partir… mas mesmo assim, o nosso porto não pode continuar desta maneira; mesmo os de fibra, qualquer dia não podem ir.

Enquanto se ouve o ruído da grua, há uma vila que deseja segurança para estes homens. E boas marés para os barcos, nomeadamente para os de madeira, mais seguros para os homens nas investidas do mar e que aportam uma mística que, não sendo pescado fresco e de qualidade ímpar, também alimenta. E não será pouco.

Há uma vila que deseja segurança para os homens do mar – ph. Filipa Teles Carvalho

Leia aqui a primeira parte desta reportagem sobre a situação actual da pesca e da vida dos homens do mar na Ericeira.