Texto: Hugo Rocha Pereira | Fotografia: DR
Música ancestral, tradicional e medieval de toque contemporâneo. É assim que Pedro Matinho, violinista dos MagMell, define os traços característicos do grupo que actua hoje à noite na Adega Bar 1987. A inspiração do grupo lisboeta advém da invocação da memória e misticismo dos povos tradicionais europeus, mesclando-os com tons mais modernos dentro de uma new folk de raiz irlandesa e do norte do Velho Continente. Pedro Matinho garante que, na Ericeira, o grupo vai tocar em formato trio e com um alinhamento que espalha uma aura de pub irlandês sem nunca apagar por completo o espírito português, com vinho na mesa e música de viagem cósmica e apelo à imaginação.
O termo MagMell permite duas interpretações, sendo a primeira “pleno de alegria” – é este tipo de energia que costuma fluir na vossa música e concertos?
Sem duvida que é essa energia alegre e fervilhante que pretendemos passar ao público, é frequente as pessoas juntarem-se para dançar ao som da nossa música.
O outro significado associa-se à mitologia irlandesa e simboliza um estado de espírito ou lugar paradisíaco – de que forma este nome e conceito vos inspira?
Ao tocarmos de forma moderna e contemporânea temas tradicionais, e ao compormos temas de raiz tradicional embora actuais, estamos a invocar o imaginário mítico dos antigos povos europeus, conhecidos por Celtas. Pretendemos criar uma ligação a essa realidade histórica paralela, a esse outro plano espiritual.
Embora o vosso nome seja de inspiração irlandesa, também exploram outras linguagens musicais, viajando pelo espaço e pelo tempo, com abordagens a sonoridades contemporâneas, como o rock e o funk – é preciso um caldeirão muito grande para transformarem estes ingredientes num prato new folk?
É importante percebermos o que define a sonoridade de cada tradição e jogarmos com pequenos clichés sonoros entre mais, digamos, temperos para chegar a certos sabores musicais. Não pretendemos retratar apenas tradições europeias, mas sim reinventá-las; acreditamos que, no fundo, “tradição” é isso mesmo, é herança e transformação. Para nós, que nascemos nos anos 90, a primeira música irlandesa que ouvimos foi provavelmente os U2 e só mais tarde descobrimos o folk. Acredito que na nossa mistura por vezes as tradições mais modernas passem despercebidas, mas acho que até os U2 têm presença na nossa maneira de sentir a música tradicional. Procuramos uma mistura energética que vai buscar ritmos modernos e progressões harmónicas a géneros actuais, porque essa também é a nossa tradição.
Começando por tocar música medieval e celta, foram apostando cada vez mais na composição de temas originais. Falem um pouco desta evolução.
Sim, na realidade tem sido uma viagem em que, cada vez mais, nos afastamos da fórmula do medieval e tradicional para migrarmos em direcção à fusão dessas matrizes com outras sonoridades actuais e tradições mais modernas. Para nós a musica não é uma coisa estagnada, mesmo as tradicionais que tocamos têm espaço para improvisos e transformações que variam de concerto para concerto. Isso torna os temas mais vivos. Os nossos originais têm varias temáticas, por vezes são inspirados e dedicados à natureza, como é o caso da “Rain Drops from Stormland“, que pretende capturar o ritmo da chuva ao mesmo tempo que tem uma sonoridade bastante escandinava; a “Folia Chuleira” pega num ritmo bastante Português e transporta-o para uma sonoridade mais irlandesa e sueca; ou a “Torq“, que é uma explosão de energia, inspirando-se no movimento circular e giratório de objectos e da própria terra. Normalmente, ao vivo seleccionamos alguns temas tradicionais e os restantes são originais. Nos concertos, tenho o hábito de contar brevemente a história que deu origem ao tema ou ao seu nome.
O mel é, por si só, um néctar divino; as abelhas são, por si só, dançarinas nas suas colmeias; e nós pretendemos que a nossa música seja esse mel.
Na Adega Bar 1987 vão tocar em formato trio. Existem muitas diferenças entre os vossos concertos com três e com quatro elementos?
Sim, são concertos diferentes, muito embora toquemos muito mais em trio do que em quarteto nos tempos que correm, devido a um dos membros do grupo estar fora do país. Na formação de quarteto contamos com o Miguel Quitério nas gaitas-de-foles e na flauta de bisel. Mas actualmente trabalhamos mais originais que não tínhamos em tanta abundância quando tocávamos em quarteto. No entanto, sempre que se proporciona, tocamos os quatro.
Estou a falhar o alvo se arriscar que o formato quarteto é mais requisitado para festivais e o trio para espaços mais pequenos e intimistas?
MagMell prende-se muito à energia e ao fogo da dança, é difícil ter um ambiente intimista num concerto que põe normalmente as pessoas aos saltos. Mas o intimismo e a explosão conseguem-se com ambas as formações, embora um músico a mais num projecto de três seja sempre um complemento, e o Miguel é um grande trunfo para palcos maiores sendo um grande músico.
Hoje tocam na Ericeira, vila com a qual o Bernardo Rolo (guitarrista) tem uma boa ligação…
[Bernardo]: Desde pequeno que tenho casa de férias e família na Ericeira e ao longo destes anos tenho vindo a criar muito boas memórias e ligações na bela vila. Sempre que preciso de relaxar ou, por vezes, de inspiração, acabo por ir parar à Ericeira. É um excelente local, seja para desfrutar da natureza ou para uma boa diversão. Alguns dos elementos deste projecto já tiveram o prazer de viver bons momentos comigo na Ericeira. Uma dessas ocasiões foi numa noite de jam e muita brincadeira musical no velho Ponto7 ou, como lhe chamávamos, o Barzinho de Blues. E é claro que também tivemos de parar na Taberna Lebre, para beber a mini da praxe. Só bons momentos! Estou muito ansioso por esta estreia na vila onde o mar é mais azul e espero que todos os amigos apareçam por lá para fazermos uma noite de festa.
Hoje o público vai sentir-se mais numa adega portuguesa ou num pub irlandês?
É provável que se sintam num pub irlandês, porque a nossa música remete para esse imaginário intencionalmente, embora um olhar mais atento demonstre que não somos puristas, mas sim alquimistas musicais, e que trazemos uma fusão de sonoridades que rimam bem com os gostos e os vinhos dos portugueses. Será bom se o público se sentir em harmonia e nas planícies ancestrais que procuramos pintar.
Aconselham hidromel ou outra bebida para acompanhar o vosso concerto?
O hidromel rima bem com o “Mágico Mel”, que é também uma pequena brincadeira fonética que nos levou a escolher este nome. O mel é, por si só, um néctar divino; as abelhas são, por si só, dançarinas nas suas colmeias; e nós pretendemos que a nossa música seja esse mel e que vá embriagar quem dela gostar.